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sábado, 31 de julho de 2010

Louco!

O dia vinha chegando, não, na verdade, o dia já se tinha ido. Louco varrido e desvairado, mal tive tempo de olhá-lo nos olhos, e que olhos eram estes. Todo louco tem um que de pirado. Não, todo doido tem um que de abstrato. Em que categoria me encaixo? Na de quebra-cabeças sem peças? Talvez. Quem se importa? Tranquilo foi o dia, mas que dia foi este? Não o vi, não me disse nada, passou e nem olhou pra trás. Sentei no chão das impossibilidades e caí deitado no colchão das improbabilidades. Calcei o pé esquerdo antes do direito. Putz! Errei! Era o pé direito no sapato esquerdo... ou era o contrário? Tanto faz, calculei mal o salto e não acertei a piscina. Caí de cara na poça da obsessão. Sorri com meus meios dentes. Penteei o meu único fio de cabelo do umbigo. Chorei com meu sorriso toda angústia feliz que eu sentia.

Cansado de tanto vaguear pelas terras da solidão, acompanhado de todos os meus anônimos amigos, decidi por fim parar numa pizzaria de inconveniências e pedi um leite com chocolate. Fui mal atendido por se tratar de um ogro palhaço, cujo nome não havia e nem também as galáxias de sua feiúra, trouxe-me uma paçoca explicando-me que ali era uma pizzaria de emoções e não uma charutaria de desejos. Sorri tristezas e agradeci o nunca que me foi servido.

Continuei o meu passeio até que a encontrei. Ela sorriu mais uma vez em seu poço de amargura e eu devolvi cortesmente a sua insanidade com uma piscadela de ombros. Levantei o meu chapéu púrpura e larguei ali o meu castiçal de estimação. Toquei em seus lábios com meus dedos e beijei a sua mão com meus lábios. Ela não mais me olhava, estava fascinada com o elegante nada que lá vinha pela rua abaixo. Chegou sorrindo sem os dentes e ela retribuiu-lhe o encanto com um aceno de orelha. Ele a pegou nos braços ocultos e a beijou sugando-lhe para o vácuo profundo e esquecido. Fiquei uma fera, e voei para o seu pescoço com as minhas pernas. Acertei-lhe em cheio no âmago e o vi cuspir toda indulgência da carne. Tossiu alto e expeliu o invólucro xucro do desdém. Ri alto na cara de suas costas e pulei o universo em busca de felicidade. Rodei horrores naquele dia imenso de final de século. Não vi passar nem sequer um ônibus com destino ininterrupto de sobriedade. Fui caminhando mesmo, sabia onde morava o fim, era meu vizinho, sempre do outro lado da vida.

Já estava de noite de um dia que não mais sabia qual e pensei em ler alguma coisa antes que o sol se pusesse. Peguei o primeiro livro da estante de CD’s que eu vi e abri na última folha, estava muito escuro e pude ver claramente escrito em nenhuma das linhas: “você é louco!”

Um comentário:

  1. Poxa, gostei pra caramba. Seu estilo está mais sólido,muito bom nesse texto.Em alguns momentos lembra textos surrealistas.Podia tentar publicar,hein...

    Abração

    Raphael

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