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domingo, 29 de agosto de 2010

A Palavra e o Poder

Qual é o poder da palavra e o que ela pode fazer ou não para o mundo? Se, com o pouco que sei, com o pouco que aprendi, muito mudei; o que não faria o melhor de todos nós com suas palavras? Tenho uma grande dissertação sobre o assunto: palavra. Não pretendo, porém, expor todos meus pensamentos sobre. Vou fazer uns breves parágrafos sobre ela, a palavra.

Não a abandono à própria sorte. Uma palavra dita ao léu pode ou não ser uma coisa qualquer. A palavra carregada de sentimento, de querer, de verdade, de soberba, de poder, é uma palavra forte, carregada. É como uma ogiva que tem o poder de devastar as impurezas da vida. Libertando o espírito e expondo a alma. Infelizmente, o mesmo ocorre com o oposto. Uma palavra dita com sentimentos contrários aos acima citado, tem o poder de devastar o bem. Uma palavra assim derrota até o mais belo dos sentimentos.

A palavra não vem só. Ao menos não de minha parte. Pense comigo: quando você está dizendo que vai fazer algo, onde está sua mente? No alvo a ser atingido. Se não estiver, essa palavra vai estar carregada de preguiça ou dissimulação. Quando ama alguém, seu sentimento já basta, mas se a palavra é usada, o efeito é imediato. Quando você briga com alguém que ama muito e diz que odeia essa pessoa; suas palavras, mesmo que de ódio e destruição, virão abrandadas por seus bons sentimentos. São muitas as combinações e muitos os sentidos. Resta a nós, descobrirmos como e quando usar uma palavra.

O que você tem em suas mãos é uma arma. Pode ser usada para o bem ou para o mal. Como discernir o que é bom ou é ruim? Eu tenho um truque. Digo ou escrevo o que eu acho ou não que devo fazer. Qualquer que seja a dúvida. Então, minhas palavras me guiam para os melhores lugares, para as melhores decisões. Ouça você mesmo. O que é que anda dizendo pra si? Está te fazendo mal? Está te fazendo bem? Quando vejo alguém reclamando de sua vida, vejo as palavras saindo de sua boca e pousando em suas costas. Vejo as pessoas carregando suas próprias palavras. Todo o peso de suas lamúrias. Estas palavras estão acompanhadas de coisas ruins. Entretanto, o mesmo ocorre quando alguém está sempre de bem com a vida. As palavras vão surgindo, curando, restabelecendo. Ao contrário das ruins, as boas não se acumulam em nossas costas, elas nos suspendem. Nos levantam, nos erguem de onde quer que tenhamos caído.

Você, eu, todos nós, temos o dom. O poder está conosco. A palavra pode ser usada de qualquer forma. Como é que você pretende usá-la? Eu tento harmonizar a vida com meus pensamentos ditos ou escritos em palavras. Adoro escrever. É quando eu me sinto suficientemente capaz de transformar absolutamente tudo em minha realidade. Adoro ouvir, falar, conversar e transbordar o mundo de palavras. Nunca deixo minhas palavras serem vazias. Não as solto no mundo sem um motivo ou uma razão. Se já fiz, tento recuperá-las para que voltem a sair com significância.

Quer dar sentido a sua vida? Quer se superar? Mudar a sua realidade? Até quando vai lutar contra você mesmo? Quer sempre viver às custas de suas impotências? Está tudo aí em suas mãos. Não se iludam, a solução está aí. Basta dizer, escrever, pensar. Use com sabedoria esse poder que sempre foi seu e de todos nós: a palavra!

sábado, 28 de agosto de 2010

Opúsculo da Beleza

Dizem que tua beleza é comum
Comum são os olhos que a vêem
Bela é, não só tua face e tuas formas,
Mas todo teu interior de alegria

Sorriso largo, convite de amizade
Olhar intenso, mostra de teus mistérios
No largo de tua boca quero meus ensejos
No embalo de meus braços sossega tua alma

Buscas em várias faces a felicidade
Lança-te no raso vasto do vazio
Surpreendo-me com teus deleites insatisfatórios
Encanto meu é teu delírio dissimulado

Negas a intenção da carne
Fraquejas ante o poder da palavra
Sustenta-te em teus princípios
Flui em cândidas ternuras

Dar-te-á, a si mesma, o desfrute
Atenta-te para o propício efeito
Consola-te pelo bem encontrado
Almeje o mais arquitetado dos dias

Sincero foi o tenro de meu ósculo
Com verdadeiro amplexo congratulei-te
Não amealhes tu, o intrépido destino
Entregue-me teus amenos anseios

Saboreie meus cuidados no amplo deste segundo
Talho de ti a nefasta escuridão
Revelo a pureza de teu ser
Lacunas consistentemente preenchidas
Pela melodia de meu toque
Como pode o faceiro negar a beleza?
Eis que a beleza se tornou bela...

...como sempre havia sido.

domingo, 22 de agosto de 2010

Palavra por palavra

Durante muitos e muitos anos o que eu mais pensava na vida era que eu tinha que agradar alguém. E isso foi uma das coisas que eu mais tentei fazer até algum tempo atrás. Muitas coisas aconteceram neste ano, em especial nestes últimos meses. Já mencionei que escrever foi uma coisa muito especial em minha vida, e quanto mais eu escrevo, mais sei de mim mesmo. Nestas últimas duas semanas eu não fiz outra coisa além de tentar terminar um conto para participar de um concurso, infelizmente, até onde eu sei, não posso postá-lo aqui, mas o que valeu foi que eu superei o meu desafio. Entre tantos outros, este foi mais um. Bem difícil para ser verdadeiro. Mas não é sobre isso que eu quero falar. O que eu quero dizer aqui, tem até coisa a ver com isso, mas é um pouco mais profundo.

Neste tempo que eu fiquei escrevendo o conto e que não postei nada, algo de muito estranho me aconteceu. Durante o processo, também pude perceber muitas mudanças em mim. O que eu mais senti falta e que mais me pesou todo este tempo foi que eu fiquei perdido em meus pensamentos, não conseguia me sentir de fato. Daí, percebi, por fim, o que estava me acontecendo: eu senti muita falta de escrever. Não, não simplesmente assim, pra poder postar alguma coisa. Percebi que quando não escrevo, deixo de me decifrar. E todas as grandes coisas que eu passei nestes dias, praticamente foram dissolvidas no ar, sem serem digeridas. Não dá mais para viver sem isso. Meu processo, longo e demorado, de autoconhecimento não é só um compromisso vivido. Se não leio os meus entendimentos, demoro mais tempo para assimilar o que eu aprendi. Como algumas pessoas sabem, não escrevo só para este blog, tenho as minhas anotações, aquelas mais íntimas sobre o meu aprendizado da vida. Senti-me um ser sem alma, foi assim que eu me senti durante tanto tempo sem esboçar uma nota sobre o que vivi, ou sequer alguma coisa que eu tive idéia. E todas essas coisas, mesmo que eu tente resgatá-las, não saíram da forma que deveria ter sido escritas. O aprendizado não estará completo de informações.

Parece loucura (como quase tudo o que eu penso ou faço), mas é a pura realidade. Tenho um acordo comigo mesmo que é escrever sempre que possível. Agora, vivido de minhas frustrações, o que posso dizer é que o meu compromisso comigo será o de escrever até mesmo quando me for impossível. Tentativa ousada? É impossível suprir o impossível? Dane-se, não pretendo mais nada além de produzir e me esvaziar. Esta última palavra no sentido de esvaziar o copo para tornar a enchê-lo. Pois é assim que me sinto mediante minhas palavras. É como se meu interior comunicasse comigo, me dizendo o que eu até então não havia percebido. Não tenho um mestre, não um que me diga passo a passo o que fazer, tenho somente a mim, este que eu tão pouco conheço e que tanto desejo conhecer. Minhas palavras soam alteradas, descabidas, mas não são vazias para uma pessoa em especial. Estas palavras são minhas e direcionadas a mim mesmo. Pode ser que um dia elas venham a fazer algum sentido para outra pessoa que não eu, mas isso é uma outra história. Sei que não consigo satisfazer todas as pessoas que têm apreço por mim, mas este não é mais o foco em questão. Não é por aí que eu vou me embrenhar. Lamento se não estou mais atingindo as expectativas alheias, mas o meu objetivo agora é me compreender e satisfazer somente a mim. Afinal, quantas e quantas vezes não me senti frustrado por perder o apoio e a colaboração de outros. Agora, que me conheço um pouquinho melhor, sei que não preciso da aprovação nem da ajuda do meu exterior. Letra a letra decifrarei o meu interior e saberei sobre minha alma. Sei que é de lá que venho tirando as coisas que eu escrevo, até mesmo as bobagens. No mais, obrigado àqueles que me lêem e torcem por mim. Estou de volta...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

By myself

O que se deve considerar ou não como solidão? Se pararmos pra deixar de lado o sentimento de dó, teremos uma boa solidão, na verdade uma introspecção. Bastei-me, portanto, de tentar ser aquilo que eu sempre fui, uma pessoa descolada que tanto gosta de conversar com todo mundo. Perdi tempo demais tentando ser útil de alguma forma pra alguém, de alegrar todo mundo e de tentar construir algum tipo de parceria com meus amigos mais chegados. Estão nesta lista, as bandas que eu sempre tentei formar, as revistas em quadrinhos que eu planejava lançar na adolescência, os projetos de longa duração que eu queria construir para implementar numa comunidade carente (como os cinco anos de aula que eu dediquei e que, nem mesmo quem eu beneficiava dava valor), os livros que planejei escrever com alguns amigos, os contos que queria escrever em parceria e finalmente, por último, o projeto de uma revista literária que eu tentei em vão compartilhar com um amigo. Bom, estes são os que eu lembro. Devem existir muitos outros. O foco que pretendo atingir, em mim mesmo, que eu achei que não entenderia nunca, que na verdade eu já até tinha entendido, mas como sou um ser humano cheio de erros acabei por criar novas esperanças, é que eu estou por mim mesmo e por mais ninguém. Não posso esperar nada das pessoas, pois sei que todas são como eu, que falham e que na verdade sempre mantêm seus próprios interesses, e que estes irão sempre destoar dos meus. Passou da hora de eu contar comigo mesmo, e não mais criar ilusões de que o que eu quero, irá acontecer por outras mãos que não as minhas próprias.

Bom, eu mesmo já estou cansado de meus desabafos e sei que não existe uma melhor solução para isso do que eu começar a fazer. Lamento se me tornar mais introspectivo e começar a encontrar menos as pessoas, atender menos ao telefone e quase nunca estar disponível. Preciso de uma dedicação única e exclusiva comigo mesmo, este tempo me servirá para me encaminhar em minhas aspirações e intuitos. O tempo que passarei comigo será de grande valia para a melhora de minha escrita, o desenvolvimento de minhas idéias e claro o aumento de minha produção.

Fui chamado recentemente de megalomaníaco por meu amigo, o que planejava escrever a tal revista comigo. Pois então, além disso, me disse que a idéia de uma revista literária digital estava fadada ao fracasso. Ou seja, estava eu produzindo um fiasco. Fiquei refletindo isso durante o final de semana e hoje tive uma luz que disse, só existe uma forma de saber se isso será verdade: fazendo. Então, fica aqui o meu anúncio de que em breve eu estarei lançando uma revista literária digital que contará com textos dos mais variados gêneros literários, não somente de minha própria autoria, mas também contará com a colaboração de muitos outros escrevedores e até mesmo de alguns escritores. Desde já deixo o convite de quem quiser algo próprio publicado em um site literário, esta é a oportunidade. O prazo agora é somente a minha própria vontade e nada mais além de mim mesmo. (rs) Agora sim estou me achando megalomaníaco.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Solitário

Não sou um velho introspectivo, mas depois de tudo o que vivi em minha vida eu decidi que essa era a melhor maneira de vencer à minha maneira. E foi assim que tudo começou... lembro-me da infância e de minha adolescência, sempre fui um garoto comum, destes que quando cagam, não fedem e nem cheiram. “Esta é a primeira página de meu diário, e espero que ninguém o leia. Escrevo pra mim mesmo, apenas como registro de tudo o que eu fiz.” Estas foram minhas palavras do meu antigo caderno de viagens, um deles é claro, o primeiro. Estou hoje com os meus quase setenta anos e leio isso como se estivesse com dezoito, que foi quando eu decidi seguir a minha vida por mim mesmo. O meu objetivo foi cumprido. Tudo o que eu escrevi está sendo relido por mim mesmo e reavaliado com meu olhar de agora. Tenho a grande oportunidade de deixar registrado as impressões de minhas impressões. E estes registros devem ser lidos por alguém que eu não sei exatamente quem será, mas... um velho nunca perde as esperanças, cá estava eu, agora, pensando novamente em ter alguém com quem compartilhar um momento. Ouvi muita coisa contrária a isso, mas foi o que eu fiz de melhor, e sem a ajuda de ninguém. O dia que decidi estar por mim somente foi o dia mais certo de minha vida. Mas chega de conversa, deixe-me apressar o meu relato para chegar no primeiro dia do meu diário. O dia que mudou a minha vida para todo o sempre, o dia que me levou para lugares em que eu jamais sonhei estar, lugares que nem sequer existiram e que nem nunca imaginei existir, lugares que só eu fui...

Eu estava em casa, tinha acabado de voltar do colégio, do cursinho pra ser exato, estava lendo um livro, um antigo do Monteiro Lobato, quando comecei a imaginar um monte de coisas que eu poderia estar fazendo, do que somente lendo as aventuras das outras pessoas. Eu gostava de ler, aquele livro era uma releitura, lia pra ter minhas impressões atuais de um livro que eu tinha lido quando criança. Tinha colocado na cabeça que eu iria ler a obra completa do Monteiro e depois todos os outros autores que eu gostava na minha infância.

Uma das coisas que me afastavam da minha introspecção era a quantidade e facilidade que eu fazia amigos. O que eu fui percebendo com o tempo era que eu não tinha o apoio deles em quase que absolutamente nada. Se eu dependesse de algum deles para algum empreendimento eu estaria provavelmente frito. Pois bem, naqueles tempos eu achava que se eu fosse viver uma aventura muito louca eu deveria compartilhá-la com os meus amigos. Foi o que eu fiz, larguei o livro na cama e fui para o telefone, disquei o número de meu melhor amigo na época e quando ele atendeu, eu disse: “vamos sair numa viagem e anotar tudo o que a gente fez de mais bacana?” o telefone ficou mudo por um tempo e eu o ouvi dizer: “hein?”, repeti a pergunta e ele me perguntou se eu estava doido. Argumentei sobre todos os escritores que eu lia, que viviam suas aventuras e enchiam seus livros de coisas vividas. Disse milhares de argumentos muito válidos mas nenhum foi o suficiente... a conversa pelo telefone terminou quando ele disse que ia almoçar e que a gente se falava depois. Nunca mais vi meu amigo...

Lembro-me bem, era uma sexta-feira, e meus planos ferviam em minha cabeça. Minha decepção ao telefone não foi o bastante para me deter. Minha mãe já tinha me chamado para o almoço e eu estava era contando o dinheiro que eu tinha para poder ver até onde eu podia ir. Não dava pra ir muito longe, mas mesmo assim eu me empolguei. Almocei correndo e voltei para o meu quarto para arrumar uma mochila de viagem. Separei algumas roupas, poucas, e peguei alguma coisa de higiene pessoal. Peguei um caderno em branco de capa dura e duas canetas. Meus primeiros registros seriam anotados ali. Não preparei mais do que a minha mochila de aula. Ia viajar só com um calçado e mais nada. Antes do meio da tarde eu já estava pronto, pensei só no básico, nada de preocupação de mais. Eu tinha dezoito anos e nada me tirava da cabeça o que eu queria fazer. Sair pelo mundo. Não sabia nem pra onde eu iria, naquela época não havia Internet pra pesquisar uma viagem assim, tão de repente.

Sem mais considerações, despedi-me do pessoal de casa, sem dar a intenção de que eu iria fazer, disse pra minha mãe apenas que eu estava indo pra casa do meu amigo, e que talvez dormiria lá. Esta foi a última vez que eu vi os meus parentes. Sabe, escrevendo agora, mesmo depois de tudo o que eu vivi, ainda consigo sentir muita saudades deles. O dia estava quente e eu saí, assim minha nova vida começou.

Cheguei suado na rodoviária e fui para o guichê comprar uma passagem para uma cidade histórica vizinha de minha cidade. Eu planejava até então ficar lá no final de semana e voltar no domingo pra casa. Mas o que aconteceria lá, me impediria pra sempre de voltar. Novamente afirmo, se soubesse onde eu iria parar, jamais teria saído de casa daquele jeito. Mas por outro lado, o que eu vi e vivi... quando me lembro de todos os lugares que eu estive e de todas as coisas que eu fiz... não dá pra descrever exatamente a minha experiência em palavras, mas juro que eu tentarei. A emoção é tão forte que cada palavra escrita aqui será como reviver toda a minha incrível aventura. E foi assim que tudo se iniciou, comigo entrando naquele ônibus que me levaria até a cidade que seria o primeiro de todos os milhares de lugares onde estive. Meus dias de aventureiro começaram imediatamente à saída do ônibus da rodoviária. Uma linda moça sentou-se ao meu lado, na poltrona vinte e sete, me lembro de cada detalhe dela. Linda não era somente a sua fisionomia, era também o seu nome, e ela foi a primeira coisa boa que me aconteceu...

Continua.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A festa

Estava desanimado, mas resolvi ir assim mesmo. Meu amigo, a quem muito estimo, foi quem me chamou. Fazia tempo que não saíamos juntos e até que, quando chegamos lá, fiquei um pouco mais animado. Olhei a festa com olhar de inquisição, relembrei porque estava ali e tentei me divertir. Meu amigo bebeu algo antes de me encontrar, pouco, mas com certeza isto o deixava mais animado do que eu. A música estava muito alta e os vários ambientes do local propiciavam os mais diversificados tipos de rostos. O lugar era enorme, um grande prédio público, era noite e nestas horas todos os gatos são pardos. O que me destacava das outras pessoas senão absolutamente nada? Acho que meu desânimo era a resposta para a pergunta. Olhava para aquilo tudo de forma chocha, estava chateado, nada me agradava. Eu mesmo não me suportava. Fomos entrando no que parecia a festa das festas, daquele dia ao menos.

Eram muitas pessoas distribuídas em muitas tribos urbanas, estavam todas por lá num processo recém iniciado de mistura. Muitas mulheres, mais do que homens. Muitas eram belas, a grande maioria delas. Vi algumas caras conhecidas, mas não quis fazer nenhum social. Estava apático no dia. Olhava a minha volta sem deixar de sentir um certo fascínio pela coisa toda. Por mais que eu não gostasse não dava para não admirar toda aquela gente se misturando. Logo na entrada eu vi um casal de garotas, novas, de uns dezesseis ou dezessete anos. Não fiquei assustado com o longo beijo que trocavam, o que me preocupava era como elas conseguiram entrar naquele lugar exótico e proibido para menores. Na certa eu é que as achava muito novas, talvez nem fossem de fato. A cena se repetiu mais três vezes, com outros casais de garotas noviças, antes que eu e meu amigo conseguíssemos chegar até o bar pra tomar algo. Perguntei-lhe se aquela era uma festa GLBT e ele respondeu que isso era mais do que comum nos dias de hoje. Repliquei-lhe que não nos meus dias de hoje. Chegamos ao bar e antes que pudesse escolher algo pra beber, vi um casal, só que desta vez de homens. Um mais novo e o outro mais velho, também se beijavam animadamente, cada qual com seu copo em uma das mãos e um cigarro na outra. Desviei o olhar da cena em busca da confirmação de meu amigo. Encontrei-o do meu lado já me estendendo um copão de cerveja com uma das mãos, com a outra entornava um golão de um outro copo do mesmo tamanho. Neguei com a cabeça e com as mãos espalmadas. Eu não bebia e ele sabia disso. Olhou-me com cara falsa de surpresa e me perguntou por que, respondi o que ele já esperava e ele só disse um “ótimo, sobra mais pra mim”. Típico de quem adora beber. Voltei-me para o barman e pedi-lhe um chá gelado. Respondeu-me que não tinham aquela bebida. Pedi-lhe um suco então e obtive a mesma resposta. Ele me ofereceu algum refrigerante e eu acabei por pedir uma água mesmo. Isso ao menos tinha. Peguei minha garrafinha plástica com água e saí com meu amigo, que segurava seus dois copos, um já quase no fim, mais para o interior da festa.

Passamos com dificuldade por um enorme salão onde muitas pessoas dançavam e se pegavam, até beijos triplos e quádruplos eu vi naquele lugar. Acho que nem me assustei direito, não dava tempo, cada passo era uma nova surpresa. Comecei a perceber que tudo ali era válido. Lembrei-me naquele instante dos dias que havia passado em estado de procura interior e exaltei-me com a discrepância da situação. Sorri naturalmente pela primeira vez naquele dia. Respirei o ar impuro profundamente não me importando com os odores de toda aquela fumaça, restabeleci-me e relaxei por fim. Estava ali, tinha que aproveitar o momento e aprender alguma coisa com ele. Quando dei por mim, já não estava acompanhado de meu amigo. Olhei a volta e nenhum rosto conhecido. Nenhum olhar cruzava o meu. Todos estavam absortos e compenetrados em suas respectivas diversões.

Saí dali, queria tomar um ar mais puro. Achei uma enorme porta de vidro do outro lado do salão e comecei a transpor o imenso espaço que nos separava. Era difícil passar ali, era quase impossível. Muito suei para cruzar o ambiente em meio a esbarrões, empurrões e puxões. Por sorte cheguei ao meu destino. Atravessei o grande portal e pude sentir a brisa da noite fria. O vento suave e fresco tocou-me no rosto. Antes que pudesse aproveitar o ar da noite um cheiro de erva chegou-me às narinas. Tossi sem querer e olhei ao meu redor. Havia um grande campo, com algumas elevações mais ao longe, mas toda a área visível estava tomada por pessoas a queimar seus fumos. Antes que pudesse me chatear novamente, pensei na experiência e sorri novamente. A noite ia ser longa e custosa, mas seria pior se deixasse meu mau humor tomar conta de mim. Fiquei ali olhando o luar por um bom tempo, bebendo em longos goles a minha garrafa d’água, tomando um fôlego novo para em seguida voltar para as festividades.

Por fim voltei, demorei-me um pouco tentando enfiar a garrafa vazia em uma lata de lixo transbordada de coisas. Toda vez que eu conseguia fixá-la em um lugar outra coisa caia. Não que o chão em volta já não estivesse abarrotado de coisas, mas as que eu derrubava eu apanhava. As pessoas me olhavam espantadas e riam de minhas tentativas. Por mais idiota que eu parecesse, no fundo adorava aquele momento de desfrutar as reações humanas que eu tanto gostava de ver. Bom, mas não comecei a contar este dia da minha vida pra falar de garrafas plásticas vazias...

Quando retornei para o olho da festa, com a mesma dificuldade que eu tive para sair, em busca do meu amigo, pensando em ao menos não ficar ali sozinho, notei algumas das pessoas que estavam ali dançando. Não o via em nenhum lugar, nada, nem sinal dele. Caminhava lentamente por entre os minúsculos espaços tentando não pisar nos pés que me massacravam. As pessoas que estavam por ali e que dançavam frenéticas não se importavam muito com o pouco espaço. Olhava de um lado para o outro em busca de algo para fazer ou mesmo deixar de fazer. Eis que, de repente, reparei num grupo de pessoas à minha direita, destas pessoas uma garota em especial me chamou a atenção. Aquela figura se destacava das outras pessoas em seus movimentos suaves, diferentes de tudo que estava ali. Ela girava em torno de si, como se estivesse a dançar, mas com os movimentos mais lentos do que os da música que estava tocando. Parei e a observei, era fantasticamente intrigante o seu jeito, as formas circulares que desenhava com seus braços no ar. Era muito linda a cena, e ela... ah, como era belo aquele corpo. Parecia uma bailarina de porcelana dançando em sua caixinha de música, mas não estava protegida pelas paredes da caixa, estava ali, no meio de toda as pessoas agitadas dançando em seus ritmos caóticos. Tamanho foi o apreço que senti por ela, por seus encantos. Suas formas magistralmente esculpidas. Era pequena e extremamente proporcional ao seu belo tamanho. “Que lindo corpo ela tem”, não parava de repetir-me isso. Não consegui ver o seu rosto de imediato, seu cabelo tampava-lhe a face, mas não duvidei de que fosse tão bela e simétrica como seu corpo. Nem me dei ao trabalho de olhar pra mais lugar algum, meus olhos estavam extremamente confortáveis visualizando somente os compassos de sua dança particular. Cada movimento seu era uma vida de meditação, mal conseguia piscar, estava realmente hipnotizado. Seus cabelos pareciam ser castanhos. Do tom mais claro e suave. Não conseguia enxergar direito, as luzes que piscavam no meio daquela pouca iluminação, só davam brecha para que eu visse seus giros. Gostei tanto de ficar ali a olhando que não percebi que depois de muito tempo que fiquei assim, parado e assistindo-a, uma mulher cochichou-lhe ao pé do ouvido apontando pra mim, provavelmente a sua amiga, ela tirou os cabelos da frente dos olhos e por fim pude ver seu lindo rosto. Era mais linda do que eu já imaginava, e não encontrei sequer um traço de imperfeição em seu rosto. Eu estava vislumbrado demais para perceber a cara de choque da amiga dela, como se tivesse visto um predador preparado para um ataque imediato. Mas ela... ela não... ela só fixou o seu olhar no meu, creio que se prendeu ao meu sorriso sincero, meio sem graça. Não estava constrangido, mas sequer mexi meu corpo do lugar, certo seria se fosse até ela naquele exato instante. Mas não, não me movi. No fundo a sensação de calmaria que eu emanava estava me confortando. Não queria arredar o pé dali, não podia perder um segundo daquele momento. Sabia que tinha que fazer algo, mas mesmo assim não tomei nenhuma decisão, exceto contemplá-la. Curiosa, foi a sua reação. Primeiro não tirou os olhos dos meus, ao contrário de sua amiga que expressava insegurança; depois, recomeçou a sua dança hipnótica sem mover seu olhar. Achei que ficaria assim devolvendo-me o encanto, mas foi se virando vagarosamente até dar-me as costas.

Sondei-lhe de baixo a cima e nada nela me fazia pensar diferente. Queria conhecê-la mais do que já a conhecia, sei que entendia sua expressão através de todos aqueles movimentos encantadores, mas sabia que seus mistérios eram maiores do que minha percepção. Seu corpo esguio dançava em lindas curvas, seus braços para cima, a festejar um belo luar, que mesmo não visto ali dentro poderia até ser sentido. Eis que do nada, outra pessoa a aborda e lhe entrega algo na boca, desta vez um homem, um garoto que lhe pusera um cigarro na boca. Vi, porque na hora que acendeu a chama do isqueiro deu pra ver o formato do baseado, destacava-lhe aquela coisa em seu rosto de perfil. Aproximei-me curioso. Ela voltou a ficar de costas. Minha curiosidade não diminuiu, só se acentuou. Olhava a garota de costas, ela não falava com ninguém, não se preocupava com ninguém à sua volta. Mesmo que seus amigos estivessem ali por perto. Por fim, ela inclinou a cabeça pra trás e soltou uma longa baforada de uma espessa fumaça branca que voou direto pra mim, não havia dúvidas: estava diante da perfeição imperfeita de meus encantos. Naquele instante, o cheiro de erva despertou-me de meu estado de idolatria, senti-me mal por alguns minutos, virava a cabeça de um lado para o outro, procurava a compreensão de alguém que pensasse como eu. Ninguém me via ali, a pedir socorro internamente. Era contra tudo o que eu pensava, detestava aquele tipo de coisa, e lamento hoje em dizer, detestava aquele tipo de gente. A minha vida toda eu condenava coisas como aquilo, parece bobagem falando assim, mas era um enorme tabu que eu precisava quebrar, ao menos se quisesse aquela garota. E ao pensar nisso, percebi que meus desejos por ela não haviam se afrouxado e sim se intensificado. Demorei um pouco para me entender, balancei a cabeça em sinal de reprovação, olhei mais uma vez à minha volta, desta vez com mais empenho, procurei por meu amigo, nada dele, apenas dezenas de pessoas repetindo os mesmos hábitos da mulher que despertava a minha libido. Ri comigo mesmo, como podia eu pensar coisas assim, praticamente todos ali fumavam ou bebiam, ou mesmo os dois, acho que o único que bebia água ali era eu. Sorri mais forte, pensando em como essas pessoas me viam. A aberração ali era eu. Quem estava fora do ambiente era a minha anormalidade pueril. Parei de pensar um pouco, e por fim decidi agir. Sabia que já era hora, mesmo que, naquele instante, eu estivesse contestando os meus princípios...

Caminhei até ela, aproximei-me o suficiente para conferir de perto suas medidas, era mais baixa que eu uns vinte e poucos centímetros, chegava quase na altura do meu queixo. Seu cabelo parecia macio e neste instante desejei tocá-los. Assim o fiz, entrelacei os meus dedos entre seus fios muito suavemente, não o suficiente para que ela não percebesse. Mas na verdade eu desejava que notasse. Ela se virou lentamente como a completar a volta de sua dança, sem se importar com quem estava ali para importuná-la. Parou de frente pra mim olhando-me, soprou a fumaça pra cima e tacou o toco do baseado no chão. Pisou em cima com um dos pés. Fitei-lhe sem dar importância ao resto. Vi sua mão pegar algo na mão de alguém, um copo de cerveja, tomou um longo gole, como a matar a sede. Pensei em sorrir-lhe, mas minha vontade me traiu, já estava com o sorriso aberto fazia tempo, nem havia percebido isso. Sem mover os olhos dos meus, ela abriu seu primeiro sorriso pra mim. Aquilo amoleceu-me o coração que fazia tempo não pulsava com mais vigor. Não perdi minha concentração, não me desesperei, como seria de costume em alguns anos passados. Estava seguro, puro de meus intentos, sabia o que fazer e não tive pressa para tal.

- Oi – disse eu em voz alta, sem rodeios. Ela só me sorriu de novo em seu estado de torpor acentuado, mas nada disse.

Repeti o meu “oi” e desta vez ela entrelaçou seus braços pelo meu pescoço como a contemplar-me de frente. Abriu outro magistral sorriso e disse junto ao meu ouvido: “oi, moço”. Sorri forte sem deixá-la se afastar de mim, segurando-a pela cintura. Ao envolver-lhe com meus braços pude sentir sua fina cintura esculpida. Tão rija e ao mesmo tempo tão frágil, parecia-me que podia se partir se mal manuseada. Estava, sem me dar conta disso, fazendo parte de sua dança. Meu corpo acompanhava o seu balançar desajeitadamente, deixei minha cabeça pendida para baixo para ficar mais perto da sua, nossos rostos se tocavam vez em quando no suave vai e vem. Por entre a cortina de fumaça, pude distinguir-lhe o doce perfume. Aroma delicioso que mais ainda me fazia querê-la.

Pensei em algo construtivo para dizer que talvez a animasse a sair dali, pensava em ter-lhe uma conversa reservada. Perguntei-lhe junto ao ouvido: “quer sair comigo para tomar um ar ali fora?” Ao que pareceu, minha pergunta não foi ouvida tamanho era o barulho, ela me perguntou um “que” audível o suficiente. Medi-lhe a fala e repeti a pergunta, desta vez ela entendeu e respondeu-me um “não” mais forte do que o seu anterior monossílabo. Já ia dizer mais alguma coisa quando ela, me puxando para junto de seu corpo, falou: “fica aqui” e completou um abraço forte. Aquele foi o abraço que me calou pelo resto do dia. Não a soltei e nem ela fez menção de o fazer. Ficamos ali abraçados sem nos movermos por muitas músicas. O movimento de nossos corpos era quase imperceptível, vez ou outra eu cheirava seus cabelos e quando isso fazia, retribuía-me ela com um afago de seu rosto no meu peito.

O tempo passou e a festa praticamente se apagou de nossas percepções. Parecia que estávamos sozinhos num imenso salão abandonado. Não dei espaço para minha razão tentar abrir a boca, calei toda minha racionalidade no mais íntimo de meu ser. O que valia ali, senão seu eterno abraço? Baseando-me no infinito mantive meus laços recém criados àquela criatura inalterados. A única coisa inteligível pensada foi: “viva este momento”

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Carcass

Intrépidos ruídos sonoros pulverizam os meus ouvidos
Lamúrias poderosas de puro som atômico
Distorções triunfantes de peso e fúria em cadências anti-religiosas
Pisadas arrasadoras de bumbos duplos tribalistas

Império de ilusões invisíveis dos reinos vazios
E sabemos que “o amanhã não pertence a ninguém”
Inspiro-me nos riffs massacrantes e vigorosos
O metal de minhas veias clama por vastidão sonora

Minhas palavras não estão vazias de amor
Minhas frases estão cheias de raiva vazia
O caótico poder dos futuros arqui-inimigos
Impregnados e indesejosos a tantos ouvidos

Felicidades tenho ao ouvi-los, alegria libertadora
Pandemônio gutural de extravagantes cantorias
A bossa não faria isso por almas ferventes
Solos velozes pronunciam o armagedom melódico

“Há, você está esperando pelo seu novo amanhecer,
Tão triste dizer que não há um...”
O dia só surgirá para os esbravecidos guerreiros
Aqueles que cogitam a morte ao brilho do alvorecer

Então não olhe pra trás, não fique sentado esperando
Pare de choramingar pelo que não foi e o que não é
Pois aqui já se sabe: se você está esperando o amanhã...
Pode ser que o amanhã nunca chegue.

(dos sábios ensinamentos de “Carcass”)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Músico sobrevivente...

Desesperar jamais! Boa frase, uma das que eu mais venho usando e absorvendo pra minha vida. Por que eu resolvi adotá-la não é nenhum segredo, é simples até... pindaíba significa alguma coisa pra vocês? Então, se significa, é numa destas que eu me encontro, mas vamos ver por outro ângulo; temos sempre o outro lado da moeda, o da esperança (que nunca morre), alguns insistem em me chamar de tolo otimista, mas que sentindo há em não o ser? De que me adianta ser um desesperado e ficar me amaldiçoando por não ter feito isso ou aquilo? Convenhamos, não dá pra ser assim.

Uma coisa que sempre me deixava pra baixo, triste e desolado era a questão financeira. Já faz muitos anos que eu moro sozinho (se você não mora ou nunca morou por sua própria conta, não faz idéia do que estou falando) e mesmo que eu de vez em quando ainda possa contar com minha família, eu sempre comi o pão que o diabo amassou na minha profissão. Meu salário não é um mau salário, considero-o bom, não um que sobre, mas um suficiente. Bom, seria assim se ao menos eu recebesse uma quantia que fosse exata e fixa. Mas não é assim que as coisas são. Trabalho autonomamente e dependo de muitos alunos (que sempre saem de férias e nunca voltam) para sobreviver. Sabe, eu dou aulas há quatorze anos e neste tempo todo, a coisa que eu mais prezei até agora, foi a liberdade que eu tive e não teria em nenhum outro emprego. Trabalhar com o que eu mais gosto de fazer. O que tem de mais em se dar aula de um instrumento? Nada de mais, é resposta pra pergunta. Qual o problema de trabalhar em outro lugar, como um cargo público? Pra mim não serve. Foi isso que escolhi e não quero e nem vou dar ao trabalho de mudar ou tentar ser quem eu não sou. Nunca me vi atrás de uma mesa trabalhando pra alguém (ou governo). Não faz parte de mim, ser assim. Não é esta a minha essência. Não quero, não vou e faço a pirraça que for pra ficar aqui, no mundo de arte que eu criei, seja tocando, seja escrevendo, seja desenhando, a arte vive dentro de mim e só sei me expressar assim.

Está certo que eu estou cansado de dar aulas e não ver nenhum resultado. São quatorze anos e se, destes quatorze anos, eu tiver uns dez dos mais de trezentos alunos que eu já dei aula ainda tocando, isso será quase um milagre. Ninguém se importa com isso, e pra falar a verdade eu também não. Não tenho mais alunos interessados em aprender. Não é por falta da minha motivação (que está hoje quase a zero). Não fui um professor medíocre que simplesmente deu aulas e cumpriu o seu papel, eu sou aquele que ouviu, apoiou, suportou, aguentou e passou pelas várias fazes de meus alunos. Fui amigo, camarada, conselheiro, mestre e exemplo, além de professor. Quando eu olho pra trás não me arrependo do que fiz e do que fui. Tenho é orgulho de ter tentado moldar as cabecinhas destes garotos e garotas (não deixando de lado todos os adultos que eu também ajudei).

Quantas não foram as vezes que eu tive que deixar de dar uma simples aula de violão ou guitarra pra tentar resolver o maior problema do universo, ouvir o que eles tinham a me dizer e que pra eles pareciam o fim do mundo? Vivi assim por muito tempo, e muitas coisas não foram boas. Esperar semanas pra receber (já chegou a meses), tomar bolo de aluno (não que eu nunca tenha dado o bolo), aulas desmarcadas em cima da hora, ficar na portaria (dos inúmeros prédios que estive) esperando ninguém chegar, horas e horas de ônibus pra poder dar uma hora de aula, chuva, sol rachando, voltar à noite pra casa, cansado, e isso não é nada perto de todo o desânimo, chateação, aborrecimento, nervosismo, tristeza, dor, e irritação que eu tive que aguentar. Se eu for parar hoje, neste exato instante, pra poder avaliar o que tem de bom em se dar aula, eu infelizmente diria que quase nada. É duro ir dar uma aula pra quem não tem a intenção de aprender absolutamente nada. Infelizmente, tirando raríssimas exceções (como você, Lanna), não tenho alunos que queiram aprender e nem sequer tocar por diversão. Estão todos mortos em suas vidas desanimadas e caóticas. O prazer musical sucumbiu ao desânimo...

Este texto/desabafo não é pra castigar ninguém, desmoralizar ninguém e nem mesmo para que tenham pena de mim. É um texto para marcar uma nova era, onde eu tomarei outras medidas e outras maneiras de sobrevivência. Depender financeiramente de quem não tem vontade de aprender, já basta. Minhas aulas não são obrigatórias em suas vidas como a escola em que vocês estudam. Pretendo continuar com os meus pouco menos empenhados alunos e descartar todos os outros que nada querem. Não faço isso por mal, estarei simplesmente tomando a decisão que eles nunca tomaram; a de parar com aquilo que tanto os castiga e os fadiga, aulas. (ao menos as minhas eu posso fazer parar o sofrimento, as outras são da conta de vocês)

Música era pra ser uma coisa que empolgasse e fosse o alimento de todas as almas, mas se hoje eu me encontro chateado e desanimado de ensinar aquilo que sempre foi a coisa mais importante da minha vida, é por que a desmotivação geral acabou por me alcançar. A música não morreu dentro de mim, mas está em coma, e não vou deixar que ela morra. Ressuscitarei-a de dentro de mim para que alcance os céus. Tomarei novos rumos, seguirei outros caminhos, pois sempre foi assim. Não tenho chefes e nem a quem dar satisfação, e pelo o que eu saiba, ninguém ainda me derrotou, e para que isso não aconteça, deixarei os desanimados e mortos de lado, pularei os seus cadáveres, segurarei a minha guitarra com força e tocarei por todo o tortuoso caminho...

Vida longa à música e a todos os que lutam para dela sobreviver!!!