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domingo, 4 de julho de 2010

O treino, parte I

- ... mas mestre, por que é que devo...

O mestre acertou-lhe com a vara de marmelo bem no ombro, do lado esquerdo, interrompendo o que seria uma pergunta.

O discípulo abaixou o olhar e ali ficou parado novamente. Já estava naquela posição incomoda por cerca de duas horas. Nunca havia ficado daquele jeito por mais de trinta minutos. Estava estafado, seus pulmões ardiam, suas pernas tremiam e seu cérebro gritava “NÃO!”. Por fim, desabou, estatelou-se no chão de costas. Arfava violentamente.

- Levante-se – ordenou pacificamente o mestre.

No entanto, o jovem aprendiz não lhe deu ouvidos e ali ficou deitado, ofegante.

O mestre o encarou por mais alguns segundos e por fim falou:

- Tudo bem, fique bem onde está e não desgrude as costas do chão – ordenou com a habitual imponência na voz – eu faço o que você deveria ter feito. Enquanto isso, você me assiste daí, deitado no chão. Se por um acaso decidir levantar, irá passar o dia inteiro na posição anterior.

O mestre então curvou as pernas, posicionou os braços e assumiu a postura ordenada. Respirava lentamente...

O discípulo sentiu então uma enorme força emanando dali de onde estava. Virou a cabeça e reparou o mestre, já em sua avançada idade, firme como uma rocha, sem contudo, deixar de expressar calma e serenidade.

Tentou levantar envergonhado e foi imediatamente atingido pela vara de marmelo que sequer viu chegando. Olhou espantado para o mestre que de sua posição parecia não ter movido, a vara repousada no chão. Espantado, mas dominado pela vergonha, limitou-se a continuar deitado.

Balbuciou então alguma coisa como que um pedido de desculpas. Não foi respondido. O mestre continuava impassível, inalterado, não se movia da posição.

No discípulo só cabia a vergonha, ao menos foi isso que sentiu durante a primeira hora. Depois, começou a refletir sobre os ensinamentos daquele grande homem que estava ao seu lado. Fechou os olhos, entrelaçou os dedos acima da barriga e refletiu. Regressou no tempo e vivenciou todas as experiências até ali. Sua mente acalmava-se, no entanto, suas costas doíam. Vez ou outra gemia baixinho, gemidos estes que não passavam desapercebidos do mestre que a tudo observava. O dia corria e a dor do jovem só aumentava. Já haviam se passado quatro horas, neste tempo, o discípulo tentou levantar por duas vezes e nas duas vezes foi atingido de alguma forma pela vara de marmelo que não havia se movido do chão. Toda vez que dizia algo tinha o silêncio como resposta. Bufou.

A noite chegou e o discípulo sentia as costas ardendo, principiou-se na raiva e logo voltou a sentir a vergonha, quando por fim, contemplou com atenção, que seu mestre não havia se movido em absoluto. Sentiu vontade de chorar. Seus olhos marejaram. Seus sentimentos eram confusos, ora sentia vergonha por si, ora orgulho de seu mestre. Decidiu, por fim, acabar com aquilo. Fechou novamente os olhos e meditou. Respirava profundamente, cada vez mais. Começou a sentir a energia que exalava de seu tutor. Banhou-se dela sem querer. Fortaleceu-se. Não mais sentia dor alguma. Perto da meia noite, levantou-se num salto e posicionou-se como o mestre. Desta vez não foi atingido. Havia satisfação no semblante do velho.

Respirava profundamente, inalteradamente. Seus músculos não mais tremiam, seu cérebro não mais pensava, estava completamente atento a sua inércia.

O mestre a tudo acompanhou satisfeito. Abandonou a posição, já quando o dia raiava. Sorriu contente e orgulhoso do discípulo. Abaixou-se para apanhar a vara de marmelo e a encontrou do outro lado, perto de seu pupilo. Espantou-se. Antes que pudesse dizer algo, notou o sorriso no canto da boca do jovem. Olhou incrédulo para a face do discípulo. Por fim, gargalhou progressivamente até o ruidoso.

Um comentário:

  1. São 4:50 da manhã, não esperem coerência deste texto. Quase no fim do conto, fartei-me de mestres e discípulos. Só volto a escrever sobre o assunto quando tiver uma grande iluminação e não uma grande insônia.

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