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quarta-feira, 21 de julho de 2010

O ônibus

Saí cansado de lá, não o suficiente, mas já quase sem energia nenhuma. Caminhei uns cem metros e fui para o ponto. Olhei o relógio: 23:55, ao que me lembrava, o ônibus sairia as 23:45, provavelmente já teria passado por ali onde eu estava. Mesmo assim resolvi esperar, esperei cerca de quase dez minutos e por fim concluí que o havia perdido. Pus-me a caminhar, comecei pelo morro em minha frente. Subi em trote, basicamente, uma corrida lenta. Meu fôlego só deu para metade da subida. Caminhei o restante não esquecendo de respirar com calma para estabelecer-me novamente. Cheguei ao topo, atravessei uma rua, um carro passou por mim e buzinou para outro que vinha, assustei-me. Cruzei a rua e dei mais uma corridinha. Cheguei a um grande cruzamento, olhei a minha volta e quase nenhuma viva’alma na rua. Era dia de semana, sem movimento, em férias a cidade morre praticamente. Um motoqueiro passou a toda, gritou alguma aporrinhação e eu nem sequer olhei. Estava concentrado, olhava em volta a espera do menor sinal do meu ônibus. Caminhei por outro quarteirão e dobrei a esquina. Avistei o outro ponto, ali eu teria mais opções, na verdade só mais uma além da que eu tinha. Passei por um ponto de táxi e nem cheguei a me lamentar por não poder pegá-lo. Olhei para trás pra vigiar o ônibus, nada. Um outro táxi vinha passando e diminuiu muito a sua velocidade, emparelhou comigo, como se eu o tivesse chamado. Não olhei e depois de uns poucos segundos ele se foi. Voltei a olhar pra trás, para os lados, para frente, pra cima e pra dentro do estacionamento escuro do super mercado e nada também. Passei por um ponto, que não era o meu, verifiquei os números dos ônibus que ali passavam, queria ter certeza de que não haveria possibilidade de erro. Olhei para o sujeito que ali estava esperando e ele nem me viu o olhar. Caminhei uns trinta metros e por fim cheguei ao meu ponto. Olhei a minha volta, olhei o relógio, mais de meia noite, alguns minutos apenas, verifiquei a minha segurança, sem temor, por precaução somente. Parei, olhei para o grande prédio abandonado, detrás do ponto, todo aberto sem janelas, apenas grades no primeiro andar. Estava sujo de lodo e limo, muita água escorria dele. Não estava chovendo. Abri o meu livro e comecei a lê-lo curioso, ganhei-o naquele dia mesmo, o autor era o Samuel Beckett e a obra era Molloy. Até então, nunca ouvira falar dele, mas ao ler a introdução fui me situando. É a estória de um mendigo que reencontra a mãe e não se lembra de quem é. Prestei atenção sobretudo à forma escrita. Na apresentação já existiam alguns pequenos trechos esmiuçados delo apresentador. Muitas partes eram fluxos de consciência, mas fiquei atento à construção das frases e seus sentidos. Tentava entender sua forma escrita, sempre pensando em minhas próprias criações. Não estava tão atento assim. Ficava com um olho no livro e outro na rua, toda vez que uma lotação vinha eu ficava a ler seu destino à distância. Muitas passavam menos a minha. Olhava para o outro lado e lá estava o viaduto vazio, vez ou outra alguém a atravessá-lo. Dois moleques passaram por mim, encarei-os de soslaio para não ser pego de surpresa. Viajem da minha cabeça, nada aconteceu. Os ônibus passavam, as paginas lidas também, o meu número nunca chegava, nenhum dos dois. Comecei a perceber a minha desatenção em ambas as coisas que fazia. Fechei o livro e comecei a praticar um chamado espiritual que me fora ensinado no domingo anterior. Pensei nas entidades divinas que poderiam me auxiliar a experimentar o mundo espiritual. Pensei numa, pensei noutra e fiquei ali meditando comigo mesmo. Uma brisa começou a soprar e as folhas secas no chão começaram a dançar. Olhei para trás e vi as folhas se aglutinando num montinho na calçada. Eu estava na rua, em frente ao ponto e este por sua vez em frente ao prédio abandonado. Pensei comigo, “se nada me acontece à luz do dia, que ao menos aconteça aqui no ermo da escuridão”, acrescentei a ressalva, “que seja de bem, é claro”. Nada acontecia, exceto as folhas a dançar com a brisa. Pensei na frase “não existem momentos comuns” e comecei a viajar nas possibilidades espirituais do instante. Pensei em “n” coisas mas minha imaginação não me permitia mais do que isso. Pensava comigo se estaria preparado para ver, ouvir ou sequer sentir uma presença espiritual. Chateei-me por ainda não ser um cara com este tipo de informação. Fiquei ali imaginando o tanto de coisas que eu duvidava e desacreditava e que, se eu tivesse a capacidade de presenciar um fato que fosse, isso bastaria para começar a pensar de uma outra maneira. Precisava de uma experiência assim pra começar a ampliar meus horizontes. Em fim, não sei quanto tempo ali fiquei, numas das vezes em que verifiquei o ônibus que vinha enxerguei o meu, não me senti aliviado, nem feliz. Acho até que me senti desprivilegiado por não ter tido mais tempo para um contato. Dei sinal. O motorista encostou o coletivo. Dei boa noite, paguei e me sentei depois de cruzar a roleta. Olhei as horas e percebi que já eram quase uma da manhã. Pus-me a ler novamente até chegar ao meu destino. Em pensar que uma volta pra casa podia me ser tão produtiva a ponto de escrever algo sobre isso. Muito desinteressante pra quem lê, mas muito tranquilo pra quem atua. Esperar um ônibus pode ser uma fonte de inspiração, uma experiência de autoconhecimento.

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