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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Capítulo primeiro, página 11

todo o resto. Calou-se e pendeu a cabeça para baixo. Laasrael terminava seu trabalho, o garoto estava praticamente inteiro. O tempo passou pacientemente, o silêncio imperava e o audaz percebeu que permanecer ali não era devido. A noite caía rápido, convocou então seu protegido a saírem dali e retornarem a casa segura de Tobias. O homem se pôs imediatamente de pé, e se Tobias não estivesse sonolento desconheceria tal agilidade, em seguida ajudou o menino a se levantar, limpou-lhe as vestes, pegou a mochila do chão e ambos dirigiram-se para a saída. O ar refrescava-se com o cair da noite, primeiro passou Tobias pelas tábuas soltas do cercado, apoiando-o pelo braço, vinha ele logo atrás, antes porém de cruzar a passagem, olhou de relance para o outro garoto estirado ao solo a roupa empapada de suor e sangue. Vivo ele estava, mas em seu auxílio este não foi, desconsiderou seus votos, dando ouvidos somente ao seu rancor, Laasrael negou seu trabalho, sua obrigação como ser celestial, mesmo ciente disso abnegou-se, virou-se com passiva expressão e partiu. E pela primeira vez o anjo, o audaz, falhou em seus deveres... e infelizmente para ele e para os seus, esta não foi a única vez...

O mato alto sob a luz fraca do anoitecer ficou para trás. Os gestos de menosprezo tratados ali não foram desconsiderados e estes não passaram desapercebidos pelo lugar, já bastante carregado de más intenções, as forças que lá foram plantadas em pequenas sementes de ódio banquetearam-se do amargo rancor angelical, fortaleceram-se. Seu agricultor viria colhê-las dentro em breve e fazer destas o seu belo jardim. Aguardava este, a melhor das horas e esta chegava com a luz que ia-se embora.

Homem e menino caminhavam juntos pelo pequeno trecho que faltava até sua porta. Frente a esta, por fim, pararam. O mais velho sentou-se no grande degrau da porta, já era noite e a luz fraca que iluminava a cena era a de um último poste a uns dez metros dali que acabara de acender-se. Dali era possível ver as luzes da sala acesas que transpunham-se pela janela lateral e pela soleira da porta e suas frestas. Laasrael postou Tobias ao seu lado, este meio adormecido, custava parar em pé. Escorou-o na porta e transferiu-se para sua frente, agachado diante de seus pés. Segurou a cabeça de Tobias entre as mãos e começou a orar em silêncio, franzia a testa em seus pedidos e sua fé, se conhecida por outros, seria incontestável e admiravelmente exorbitante. Tobias tinha a expressão serena, relaxada e sonolenta, seus olhos estavam fechados e sua respiração branda. Em sua mente entorpecida o garoto podia ouvir a voz do outro como em um transe, o homem lhe dizia – respire

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A Carta...

Há tempos venho planejando e cobiçando trocar impressões, relatos, pensamentos e demais idéias com alguns de meus amigos, aqueles que partilham de algumas perspectivas correlacionadas à minha busca. Seria algo espontâneo, de boa vontade, uma forma de dialogar a longas distâncias e manter aqueles excelentes papos agradáveis, que parecem nunca terminar... o fato é que esses e outros, e por que não dizer até eu, sempre desanimam, ou não dão continuidade neste plano seja lá por qual motivo. Triste? Nem tanto, mas que poderíamos tirar boas conversas, e até quem sabe boas teses disso, poderíamos.

Navegar em assuntos infindáveis é uma das coisas que mais me agradam e despertam-me interesse. Saber que estou começando algo que nunca vai acabar é algo fantástico (este já seria um bom assunto para iniciar uma conversa por carta). Talvez eu esteja preso a um monte de bloqueios acerca da morte, ou talvez seja apenas gosto pela coisa. Não me agradam as coisas simples e nem as fáceis, não me interesso por nada que não envolva um grande desafio. Não que eu vença todos eles, pelo contrário, na maioria das vezes acabo por me desanimar. Mas por que gostar de algo tão contraditório? O que me leva a escolher estes caminhos tortuosos e cheios de obstáculos? Resposta: não faço a menor idéia. Tenho algumas hipóteses; pode ser que eu aja instintivamente, sendo levado pelo caminho mais comprido, por forças que desejam o meu fracasso diante das adversidades do universo; talvez eu ame a complexidade das coisas a tal ponto que o mais importante pra mim seja a dificuldade e não o assunto em si; tenho tanto apego às pequenas coisas o que dirá então das grandes coisas, ponho-me a pensar na volatibilidade destas e mesmo que saiba o que estou fazendo não consigo deixar de me sentir preso aquilo; bati com a cabeça quando criança e perdi a razão.

Independendo disto, não vejo o por quê esperar vossas senhorias (entenda-se: Marcus, Raphael, Rafael e outros), darei então continuidade aos projetos filosóficos, literais e de labuta sozinho. Vamos acompanhar os passos de um solitário homem em busca e transmissão do conhecimento, descobriremos até onde um desgarrado pode chegar com seus próprios passos. Alguns apostam em sua derrota instantânea, outros esperam por seu sofrimento e decadência, alguns prometem até que irão ajudá-lo, mas por forças ocultas somem de suas vistas, outros não esperam nada, pois nada têm a ver com isso. Mesmo cansado de tanta demagogia prosseguirá o homem em seus passos tortuosos e descontínuos até o topo de seu cume. Avistará lá de cima todo o suado e sacrificoso trajeto percorrido. A plenos pulmões gritará, para que mortais e imortais possam ouvir toda a história de uma vida, galgada a passos incertos que trilharam e conquistaram o seu ápice mediante todo o esforço de ter permanecido inabalável à solidão e sumamente motivado por si mesmo. Mostrará em sua humildade de buscador o mais importante: provar a si mesmo o autodomínio e a vitória sobre o seu eu.

P.S. É um saco fazer tudo sozinho, mas se é o jeito...

Necessidade e Decepção

Quando é que foi promulgada a lei que diz que um ser humano necessita de outro? Pois é justamente disso que eu quero tratar, afinal se não existe uma lei que nos obrigue a tal, porque é que ainda por cima somos obrigados a precisar de alguém, até mesmo aqueles que não o querem são obrigados. Há os que dizem que são independentes e aqueles que se dizem eremitas, mas onde é que você está só e independente de algo? Se não é um homem que o ajuda, é a natureza por este moldada que o faz. Onde está minha liberdade? Não que eu a queira, mas não existe uma regra simples e fácil que o faça ser dependente de alguém, é mais complexo que isso. Além da ordinária necessidade do outro ainda ganhamos de brinde, incluso no pacote, o direito de sermos decepcionados constantemente pelo outro. Não que eu não seja também este outro, estamos todos subjugados a este triste “karma”, é fatídico, uma lei. Ta’í! Que grande obra nos deu o universo: a necessidade e a decepção.

Choramingo meu desconforto, por ser demasiadamente bombardeado por excessos de necessidades e decepções diariamente. No trabalho (haja Cristo pra agüentar os desânimos e desvontades de meus alunos), na família (embora não sejam meu atual desconforto, já me brindaram bastante com amarguras), nos estudos (combine algo com alguém daquela faculdade e terá tatuado em suas testas: “ããããã .....NÃO!”), na música (monte uma banda com alguém e além de cada um não fazer sua própria parte, ainda têm o disparate de reclamar de seus serviços arduamente prestados) na vida amorosa (relacione-se com alguém por cinco anos e espere a solidão) entre tantos outros infortúnios. Não me excluo desta responsabilidade, também sou um tratante. Pensei numa solução um tanto quanto idiota, mas de incrível utilidade, divulgada pelo meu sábio amigo de longa data Guilherme D'Avila Dias de Mello: “o segredo da felicidade é manter a expectativa baixa”. Ponderando sobre o assunto, devo concordar indubitavelmente.

Perdoem-me os mais delicados, minha intenção não foi magoá-los, contrária até, é um desabafo, pois me submeto a constantes frustrações por ver dia a dia meus planos irem por água abaixo. Não é uma questão de culpa, o problema está em mim, pois se soubesse ser obstinado e irredutível em minha jornada, não seria derrotado por meu desânimo nem por minhas desilusões. Resta-me apenas doutrinar-me aos segredos deixados pelos nossos antepassados: “Quer bem feito, faça você mesmo” e “Não espere dos outros o que você mesmo pode fazer”. Agora é pegar no batente e escolher os caminhos mais fáceis de se trilhar a sós.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Capítulo primeiro, página 10

enfrentaste tu sozinho o perigo de cinco com muita coragem e saíste muito bem. Sei por certo que nem ao menos temestes por tua vida. Orgulho-me de ti, grunhe a dor, mas nem se quer a reclama. Tu não lamentas nem choramingas, congratulo-te .

Tobias nem sequer percebeu o que ali se passou, as idéias iam e vinham desmesuradas e assim disse sem ter tempo para tal:

- Obrigado. Mas não sei ao certo se devo ser parabenizado por algo assim e... ei, espera aí! – a mente despertou-se da confusão momentaneamente para algo que chamou-lhe a atenção nas palavras ouvidas a pouco – você... que dizer, o senhor viu tudo?

- Sim, meu caro, por isso vim em teu auxílio. Não pude participar em teu favor na batalha, mas aqui estou para beneficiar-te em saúde – disse o homem e um primeiro sorriso lhe brotou na face. Cordialmente Tobias retribui-lhe o sorriso e bocejou em seguida.

O processo melhorava-lhe os ferimentos e ao mesmo tempo sugava-lhe a lucidez. Fazia gestos estabanados, como se estivesse sob efeito de algum alucinógeno. Distraiu-se com o braço direito quando notou que este não mais doía-lhe. Rodou o braço pelo ombro vagarosamente uma, duas, três vezes para frente e depois a mesma quantidade para trás. Sorriu bobamente e tornou a dizer:

- Obrigado, muito obrigado mesmo, amigo! – sorriu mais um pouco – Desculpe não ter perguntado anteriormente, mas qual é o seu nome? – abriu um largo sorriso.

O homem continuou concentrado em sua tarefa que demandava-lhe muita energia e distraído disse:

- Chamam-me Laasrael, ao teu dispor – olhou-o nos olhos e fez um leve aceno com a cabeça, depois voltou-se para o braço que parecia quase inteiro.

- Muito prazer e... obrigado mais uma vez, Laasrael – emendou o menino que não mais timidez possuía. E acrescentou – de onde você veio?

- Venho de muito, muito longe – disse sem acrescentar a verdadeira origem, pois deixar de dizer era-lhe possível, mentir não. Media então sempre suas palavras, nunca em sua existência havia mentido, fazia parte de seus votos e poderia botar tudo a perder e sofreria as duras penalidades se o fizesse. Estava misticamente vetado de mentir, não de omitir e sabia bem trabalhar com este fato.

Conforme se propagava, o calor extinguia-lhe a dor e relaxava-o cada vez mais. O silêncio se fez e prolongou-se. Tobias estava entorpecido, pesava-lhe pois as pálpebras e

domingo, 6 de dezembro de 2009

Capítulo primeiro, página 9

- É costume de onde venho amigo. Mas não importas tu com isto, o importante agora é curar-te. Relaxes teus pensamentos e concentra-te em melhorares.

Sem dar importância ao que dizia o homem, meio trôpego e embriagado pela sonolência, Tobias apercebe-se de que a dor de um de seus braços não mais ali estava, confuso e adormecido perguntou:

- Como você fez isso? Digo, como é que você consegue... ããã, me fazer melhorar...?

- Curar-te? És um ser perfeito meu caro amigo. Podes tu mesmo fazerdes isso. Teu corpo, assim como o dos demais de tua espécie foi moldado a ser o mais perfeito e completo por si só. Podem vós mesmos curardes sozinhos, mais precisamente digo que nem mesmo se adoecem. Se o fazem é por desconhecerem os princípios de teus próprios corpos - assim disse o audaz, certo do que já sabia e convincente em palavras - o que faço em ti é acionar teu próprio processo, fazendo com que teu corpo foque na região afetada e acelera em ti a cura.

O menino escutou e verdade sentiu naquela voz. Ouvira estas palavras de maneira semelhante de um outrem. O avô de Tobias, com quem este vivia, pronunciava em outras palavras o mesmo discurso, sempre importando-se em transmitir saberes que, ao que lhe parecia, desconhecido de outros. Entedia então o garoto o que o homem dizia.

- Sabe, meu avô diz a mesma coisa. E reparando nele notei que mesmo velho nunca o vi doente – disse o menino refletindo enquanto observava a cena fazendo caretas pela dor do outro braço.

Sem responder-lhe sobre o mesmo assunto o maior disse:

- Já tratarei-te um braço, meu rapaz. Logo ficaras bom – disse atencioso e condoído pelo seu, notava-lhe a dor e tudo fazia para que esta cessasse de imediato – Senta-te para que possa eu assistir-te de melhor ângulo.

Apoiou-o pela nuca e levantou-o lentamente, o cuidado de um noviço pai que toma no colo, pela primeira vez, seu recém nascido primogênito. Posicionou-o delicadamente sentado, a mão agora a apoiar-lhe as costas. Gemeu Tobias agora, pelo desconforto causado pela movimentação de seu braço esquerdo, que o homem tomou entre ambas as mãos e pressionou firme; mas não reclamou em hipótese alguma.

- Sei que estás a doer-te o braço partido, mas resiste e suporta tu a mais esta provação pois logo não mais haverá sofrimento. És um bravo meu pequeno amigo,

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Capítulo primeiro, página 8

não eram nem curtos e nem muito longos. Trazia pendurado por um cordão negro, em torno de seu pescoço, um pingente prateado, uma jóia que Tobias não conseguiu identificar exatamente o que era pois crepuscular já se encontrava a luz do fim daquela tarde. O homem se deteve por um instante e caminhou em sua direção. Sorriu para o menino e este pode ver quão branco e alinhados eram seus dentes. O rosto do homem era de um liso só e nenhum fio de barba ali se apresentava. Ajoelhou-se o homem ao lado de Tobias e junto a ele se pôs, perto suficiente pata alcançar-lhe primeiro o braço direito torcido, falou-lhe pedindo para que fosse ouvido em atenção:

- Escutai, meu jovem. Não aflijas, permita-me aliviar tua dor com um simples movimento meu – disse o homem pegando o braço torcido entre suas mãos.

Tobias não entendeu nada e nenhum esforço fez para que o pudesse. Pensava este que aquele era apenas um comum homem que socorria-lhe, embora mesmo assim, não pudesse afastar a idéia de que algo oculto havia naquele ser. As mãos estavam quentes como fogo e sua pele reagiu incomodada, mas logo que o calor percorreu-lhe o corpo por inteiro, provou de grande alívio. Hesitou dizer algo por tímido que era e por entorpecido que estava, mas despendeu de grade força de vontade e pode por fim dizer:

- Obrigado por me ajudar... mas é que... eu nem conheço você e... me viu brigando? Eu juro que não foi minha culpa, é que... – se embaralhou o jovem com suas vergonhosas palavras. Achava possuir alguma culpa, não discernia os fatos. Encabulou-se por não conseguir expressar-se.

- Acalma-te, jovem. Conheço-te e ajudá-lo hei com teus problemas. Sei também de tua inocência. Não aflijas – formalizou a conversa.

- Como me conhece... digo, como é que sabe o meu nome? – Lembrou-se Tobias de ter sido chamado pelo nome. A mente enganava-lhe.

Muito sei, jovem amigo e muito agora por ti farei – e dizendo fez com que suas mãos apertassem-lhe mais o braço que ficou mais quente e contrário a tudo que se esperava, o braço melhorou gradualmente.

- Obrigado mais uma vez, senhor – falou bocejando, o alívio misterioso proporcionava-lhe paz e dormência – Desculpe perguntar, mas porque você fala assim... sabe... tão formalmente? – custava-lhe falar. Já era-lhe incomum que conversasse com um estranho e a sonolência impedia-lhe as funções motoras e o raciocínio.

Capítulo primeiro, página 7

O audaz percebeu então toda a dor que passava o irmão e por ele lamentou. Suspirou fundo com seus pulmões nunca utilizados e em direção a este foi, deu-lhe um forte abraço fraterno de longa duração. Findou sua despedida e foi-se em bater veloz de asas, desceu em queda livre em movimento espiralado. O outro em olhar triste ali ficou e como em um ato humano estendeu a destra como a chamar o amigo e irmão de volta. Sem se aperceber de movimentos, recebeu o que ficou, inesperada visita.

- Não preocupas-te meu caro – disse-lhe uma voz de magnífico timbre ao qual somente este podia ouvir, pois mais divina do que todos os anjos a cantar, esta soava. De longínquas moradas esta vinha e de tamanha honra era ouvi-la – o anjo está certo. Ajudar o pobre mortal, enquanto este precisar, ele deve. Louvemos graça e sucesso a Laasrael, o audaz. Sua escolha e seu sacrifício arrastaram as pesadas engrenagens que movem o destino do universo de volta ao eixo. Contenta-te!

E assim o sábio o fez, enaltecido foi por inigualável regozijo, e toda angustia que outrora lhe atormentava, dilacerada foi por insuperável voz. Pacífico ficou seu coração.

“Tinha de sair dali”, pensava Tobias sobre sua desagradável e desesperadora situação. Estava ele preocupado, além de dolorosamente machucado, temeroso por Lucas levantar-se dali e buscar novo confronto, sua vingança. Não conseguia juntar forças para levantar-se e partir. Não era possível nada pensar com todo aquele incômodo. Ao menos o grandalhão estava imóvel, mas por quanto tempo? Não precisou por demasia se preocupar, pois antes que o pudesse, ouviu bela voz chamar-lhe.

- Tobias? Despreocupa-te. Vim para ajudá-lo. Estás agora, seguro – disse-lhe a voz.

Mesmo dolorido, conseguiu virar-se em direção ao falante e pode perceber que ali, parado de pé, junto às frouxas tábuas da cerca, estava grande homem. Alto ele era, forte eram seus músculos que avolumavam seus trajes. Suas medidas eram extremamente proporcionais, muito simétricas. Destacava-lhe os lisos e muito negros cabelos que contrastavam à sua pele branca como gelo polar. Seus olhos não estavam visíveis pois estes estavam cobertos por escuras lentes em seus suportes metálicos. Trajava este, roupas de tamanho certo, nem apertadas e nem relaxadas, caiam-lhe justamente bem. Usava jeans e camisa, as calças da cor de seus cabelos e a camisa branca como sua pele. Se visto ao longe, provavelmente veriam-no sem sua veste superior, por este ser tão claro. Os pés, estes calçados com grossas botas escuras que combinavam com suas calças e cabelo, este último

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Capítulo primeiro, página 6

O audaz, bateu-lhe à mão que o segurava no ombro e pronunciou em fervorosas palavras vindas com ardor do coração:

Primas tu pela não interferência de nossa espécie para com os nossos protegidos, exceto por meio de ordens superiores. Cegado estás, pois então para com nossa real missão, não candidatei-me em vão, não sou nem serei um inútil observador. Creio nos desígnios de cada ser, mesmo na mais ínfima das esferas. Aquele a quem vigio e protejo é de minha inteira responsabilidade e sabes tu, o quão valorosa é esta alma e o quanto puder por este fazer, hei de fazê-lo. Não há duvidas que até mesmo neste nosso plano somos passivos de erros, estão os de nossa gente, com absoluta certeza, equivocados. Não ficarei aqui como mula empacada a esperar que o mal domine a mais uma de nossas sementes – fez uma pausa, observou o outro, centelhas crispavam-lhe da visão aguçada, pois acreditava em abundância em suas próprias palavras. Sem mais se deter, concluiu em sua voz timbrada ardorosamente – Se por meu ato for condenado a vagar à eternidade nos lagos de lava das profundezas das trevas, mesmo assim o farei. Descerei sem mais demora para junto de meu amado protegido e em tudo o que puder ajudá-lo sacrificarei-me com prazer. Estarei ao seu lado até que este torne-se o quanto antes o predestinado líder que há de ser, dedicarei-lhe até minha última centelha de vida.

E assim terminado seu discurso, ficou ali pairando no ar esperando acalmar-se para que pudesse despedir finalmente de seu companheiro e desta forma, dirigir-se ao tempo real dos mortais socorrer o seu. Ficaram ali se olhando, visíveis somente um para o outro em suas magistrais e encantadoras formas. Por fim, o mais sábio inclinou a cabeça para baixo e com lamentar pronunciou:

- Vejo agora que estais convicto e irredutível de teus passos, nada mais direi-te para dissuadir-te de tuas vontades. Vai-te em paz e sirva com bravura e coragem os desígnios do Homem. Devo-te apenas advertir-te de que neste plano que pretendes adentrar, estarás por tua própria conta e que depois de tempos junto destes, os humanos, perderás de vez tuas características divinas e tua chama apagar-se-á. Ficarás desprovido de teus poderes e não mais nos ouvirá. Sendo assim, não mais retornarás à vossa casa, perderás teu único lar. Lamento irmão, esta é tua escolha e assim sempre houve de ser – calou-se então o mais sábio, a cabeça ainda inclinada, guardando para si, em seu mais profundo interior, toda a tristeza que sentia de perder o irmão e amigo que tanto amava.