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terça-feira, 22 de março de 2011

Meia prece

Um filme
uma linguagem

o escuro do claustro
o obscuro

falo, ouço
falei e ouvi

nada aconteceu
um amor distorcido

rasgado, doído
sangrado e
não coagulado

a ferida que não se cura
a dor que não se vai

Lhe imploro nessa
meia prece

liberte-me desse
amor que dói

me afoga o medo
me salve a alma

traga-me um
novo amor,
o meu próprio...

Sonífero

Sono quase mortal
totalmente solto
como corda frouxa
a mente viajada

pescando e pestanejando
bocejo cansado e prolongado
arfando encalorado
sucumbindo ao torpor

mal dormido
quase melancólico
mas vantagem tiro em proveito
calo minha mente com o sono

confuso e preguiçoso
não distingo mais
a dor ou a alegria
suprindo saudades com cansaço

onde vou ou estou?
Entre a irrealidade do físico
e a verdade do pesadelo
flutuando à deriva como pena

sou rocha mole
vento rígido
entorpecido
acordado, dormido
enaltecido

sábado, 19 de março de 2011

Sem precedentes

Acho que as coisas foram acontecendo naturalmente. Não houve exatamente uma data precisa para eu começar a me sentir assim. Tão pouco pensei em seguir esse caminho. Tudo foi se encaminhando para isso. Pode parecer estranho, mas eu era um cara normal. Um homem como qualquer outro. Tinha uma vida, um tralho, uma namorada, um cachorro, uma profissão...

Como eu disse, não existe um marco, uma única coisa que me fez ficar assim, quando dei por mim, eu já era isso. Nesse época, eu juro que queria voltar atrás, mas, por mais que eu tentasse, nada nunca funcionava. Um dia após o outro e a conformidade chegou. Nada de amores ou sentimentos. Eu era simplesmente isso aqui: um invólucro de coisa nenhuma. As minhas experimentações sentimentais vinham apenas das lembranças de quem um dia eu fui. Nada me emocionava, nada me interessava, nunca ficava chateado com absolutamente coisa nenhuma...

Eu só andava, caminhava sem rumo e fazia o que eu tinha que fazer quando era necessário. Eu agia instintivamente, sem precedentes. O mínimo de discernimento que existia em mim, era uma vaga lembrança do que era bom ou ruim e, mesmo assim, não levava isso muito em conta. Com o passar dos anos, sei lá quantos, eu percebi que já não lembrava de quase nada do meu passado. Em quase cem por cento das vezes, minha mente estava focalizada ali, naquilo que estava fazendo, naquele exato instante. Quando, por acaso, minha mente viajava, era sempre para o passado que ela ia, nunca para o futuro. Não pensava no amanhã, nunca.

Minhas recordações foram se perdendo. Pouco a pouco eu esquecia de tudo o que eu era, me tornando cada vez mais o que eu sou agora. Primeiro foi a lembrança de minha origem, não lembrava mais de meus pais, seus rostos se apagaram em minhas recordações. E o esquecimento foi aumentando e cada vez mais rápido, até que por fim, eu não lembrava mais de meu nome e nem do que eu era antes de ser o que sou hoje. Agora, apenas sei dessas coisas, mas não lembro de absolutamente nada. Assisti a tudo isso pacificamente. Sem o menor incômodo. Nada, nem a perda da minha identidade, me afetava.

Meu relacionamento com as pessoas era o mais restrito possível. Falava pouco e respondia o mínimo necessário. Não me apegava a ninguém, nunca. Era o que era e pronto. Não queria mais nada. Nunca senti vontade, não que eu me lembrasse. Não pedia nada. Sempre estava conformado, que era a palavra mais parecida com o que sempre sentia. Se é que posso chamar isso de sentimento. Não chorava, não sorria, não executava expressões. O máximo que conseguia era imitar um sorriso ou outra expressão qualquer. Tudo muito artificial e antinatural. As pessoas me evitavam o máximo possível e eu a elas. Vivia sozinho, trancafiado em meu mundo.

O que mais um algoz poderia querer para sua vida, isso é, o que mais eu iria querer para mim se por um acaso sentisse necessidade de querer?


Eu estava naquele bar, bebendo, me misturando, fingindo ser o que eu não era. Observando, aprendendo. Quieto no meu canto. Meus olhos passeavam pelos rostos, pelas expressões, pelas pessoas. Não gostava ou desgostava de nada. Apenas escolhia algo para fazer no meu tempo vago e fazia. Não me importava se passasse um mês sozinho ou acompanhado. E ali, naquele lugar, não era diferente. Olhava para as pessoas tentando encontrar algo, não nelas, mas em mim mesmo. Nem uma sombra de sentimento. Nada. Nunca. Quando eu a vi pela primeira vez, não foi diferente. Ela estava naquele bar, naquele dia, com suas amigas e amigos. Se divertia, sorria, às vezes forçadamente. Quando não se sente nada, fica mais fácil de entender os sentimentos. Eu conseguia saber tudo por trás de um rosto. E o dela, por mais bonito e feliz que esteticamente parecesse, não era diferente. Continuei ali, olhando para as pessoas à minha volta, passivo, atento, quando ela veio até mim e sorriu. No primeiro instante, como de costume, não reagi. Minha cara sem expressão deixou-a curiosa e ela ficou ali parada, sorrindo e me olhando... (termino mais tarde)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Versos postos

Comecei com um verso curto, especialmente feito para alguém com muito carinho. Era só para ser lido para esse alguém, mas não consegui. Os demais saíram todos espontaneamente, todos escritos hoje, na hora que me dava na telha, todos sem um endereço certo, mas com muitos destinos...


Aprendi com você
que o muito que precisa ser dito
pode ser sempre resumido:
dor, alegria, saudade e tristeza
é o mesmo que amor!

-//-

Outro dia?
Outro sim!
Pior?
Não sei dizer...
Gosta?
Me conformo.
O que mais precisa?
Força para suportar as coisas...

-//-

Pior do que tudo o que você faz comigo
é tudo aquilo que eu deixo
minha mente dizer que você faz.

-//-

Encharcado, insultado
puto e esmaecido
espremido como suco
enlatado como salmão
desabou-se o mundo em mim
não posso reclamar
afinal, foi o que pedi

-//-

cópia
nada que se
copia
pode ser
copiada
se não tenho
cópia
nenhuma
de nada.

-//-

Complete meu dia,
faça isso no meio da tarde.
Atice o meu cérebro
com seu descaso e faça-o
lembrar de teus tumultos
num poema
lido à noite

-//-

Voar seria a excelência de minha vida
Restaria algo mais importante que isso depois?

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sobre a dor

Dor... ah a dor! Nada a se dizer daquilo que, de fato, nos mata, mas que quando não morremos, nos tornamos mais fortes. Era exatamente isso que você planejava para hoje? Sentir dor? Eu não, nem para ontem, muito menos para amanhã. Mas é fato. Todos sentem, todos clamam, todos reclamam e eu também. A dor não me foge, ela não sossega, não me deixa em paz. A angústia e a incerteza vão juntas. “Viver é sofrer”, já dizia o ditado. E não hesito em concordar: é verdade. Mas não é só isso, e todos sabem disso. Se não soubessem, não continuariam tentando. Levantando e sacudindo a poeira. Seríamos todos infelizes, suicidas.

Hoje, agora, não penso diferente; continuo achando a vida uma grande e interminável merda. Mas eu estou nela. Como se eu fosse uma vida em um jogo on line, mas sem continue. Sabe, eu reclamo demais das coisas à minha volta, reclamo mesmo. Muitos sabem disso, mas isso não é o mais importante. Para falar a verdade, nem eu sei o que é mais importante. Não acho que seja uma única coisa, eu penso numa lista infindável de coisas a se fazer que são importantes do que reclamar. Mas como?, o que?, onde?, não sou eu que vou responder. Até porque o que serve para mim não serviria para uma outra pessoa da mesma forma que me serviu.

É engraçado escrever sobre isso e tentar ser otimista. Realmente não estou me sentindo assim. E não vai adiantar também eu ficar reclamando. Isso eu estou cansado de saber. Tenho me controlado muito nas reclamações, embora vez em quando eu ainda deslize bastante. Não dá para evitar, sendo quem eu sou; uma alma bem no comecinho da minha evolução. E esse texto não é uma obra literária, não é um texto filosófico, não é nada. É apenas a minha vontade de expressar o que eu sinto. Escrevo como um ser que sente. Um ser que também passa por momentos de dor (são inúmeras vezes). Não é para sentir dó, não é para ficar triste por mim. Esse é o meu desabafo para mim mesmo. Se você está lendo, é porque eu não consigo escrever e esconder o que eu penso. Tenho a necessidade narcisista de ser lido. Desculpem, mas até escrever faz parte da dor.

Olha, eu recebo muitos conselhos e dou muitos também. Mas não dá para ninguém viver por mim e eu também não posso viver por ninguém. A vida, por pior que seja, é a nossa oportunidade de aprender algo. E a gente sempre aprende. De um jeito ou de outro. Uns demoram mais do que os outros. Uns se dedicam mais do que os outros. E a vida continua do mesmo jeito. Não dá para evitar. Eu tropeço muito, eu admito, mas eu tenho que tropeçar, é importante para mim. Sei que existem caminhos menos tortuosos, e eu tento encontrá-los, mas se estou nesse é por algum motivo. Muita gente sofre por não saber o que fazer quando se encontra perdida em dor e sofrimento. Muita gente acha que morrer é a única solução. Não vou mais criticar quem toma esse rumo, quem sou eu afinal, mas o meu caminho é diferente. Morrer para mim significa perder sem ter tentado ganhar antes do jogo terminar. Eu ao menos sei o que eu preciso fazer para tirar a dor de mim (e saber nesse caso não significa necessariamente fazer). Eu vejo tanta gente que sequer sabe o que fazer, pior; tem gente que nem sequer sabe que está sofrendo, mesmo sentindo todos os sintomas.

Uns dias para trás (ontem), eu disse que não ter sentimentos seria uma boa solução para dor. Mas não sentir, significa sequer ser alegre também (obrigado pela visão, Brenda). E eu não quero viver sem poder ser alegre de vez em quando. Vale o sacrifício? Eu acho que vale. Ao menos é o que eu venho fazendo desde o sempre.

Outra coisa que me fez sentir dor, foi ter escolhido gostar de alguém e sofrer por isso. Sabe, mesmo depois de toda a dor, de toda incerteza, de toda insegurança e toda merda que a mente me faz pensar; eu posso até concluir que, de certa forma, eu sofro feliz. Muito feliz. Antes, eu sofria por não gostar de ninguém, por não ter sentimentos verdadeiros por alguém. Hoje, agora, mesmo não sabendo se tudo isso não passa de uma criação da minha mente (obrigado Ivana, pelo esclarecimento), mesmo assim, eu ainda prefiro sentir essa dor, do que a dor do vazio (que também é outra coisa pela qual todos nós passamos). “Amar é sofrer” ou “o amor é uma dor”; é, de fato. Dói amar e ser amado. Dói muito. Brigas, desentendimentos, ciúmes, desespero, ansiedade... mas vale? Para mim vale muito. Cada dorzinha de um amor é uma enorme fonte de compreensão. Se você quer fazer dessa dor a sua lápide, a escolha é sua. Eu prefiro transformar toda essa dor em aprendizado. Mesmo que eu enfie a cara no muro por diversas e incansáveis vezes, eu ainda prefiro aprender assim do que me entregar ao sofrimento única e exclusivamente. Aqui, agora, está doendo, mas está me fortalecendo. Me ensinando. Nada é para sempre, nem mesmo a dor...

Acho que o principal de tudo isso, de toda essa dor, é o fato de sermos todos capazes de senti-la ou não. Isso eu aprendi na prática. Eu sou tudo aquilo que eu quero sentir e ser. Os grandes mestres falam isso e, mesmo ainda sendo um idiota que sofre, tenho que concordar com eles. Todos eles. Ontem eu passei a madrugada explicando aquilo que eu “acho” que eu sei para um amigo (Bruno, esse é você), mas o que eu mais percebia enquanto tentava esclarecer a mente dele é que eu é quem estava sendo esclarecido. Não gostaria de continuar perdendo essa “sobriedade” de fatos acerca da vida. Entendo, porém, que minha compreensão da vida é um mísero pó vagando no universo. Mas eu pude perceber que não estou totalmente errado. Consegui enxergar que, por mais impossível que pareça, a dor pode ser vencida pela sua vontade. Fato inegável é a capacidade de conseguir ser alegre mesmo estando triste. Isso tudo acontece por um simples pensamento.

Não gostaria de ser condenado à fogueira por causa desse texto, mas sei que muita gente discorda de absolutamente tudo o que está escrito aqui. Mas como eu disse, esse texto é para mim mesmo. Para que eu possa relê-lo todas as vezes que eu me perder e, assim como você que duvida da sua própria vontade, para quando eu estiver perdido nas peças que a minha própria mente estiver pregando, para que eu possa me encontrar. Me achar no meio da tempestade de emoções e sentimentos que acontece, como festa, dentro da minha cabeça.

Como disse ontem, a mente é a que mais me fode, mas quando eu aprender a domá-la, vou poder cavalgar nela para lugares muito mais distantes. Não existem limites para o pensamento, ele pode salvá-lo de todas as crises, e é esse mesmo pensamento que pode também matá-lo. Você tem a força, basta saber usá-la a seu próprio favor ou contra você mesmo. E vou encerrando esse texto muito mais animado do que quando eu comecei, a uns trinta minutos atrás. E chegando até aqui, já posso entender um pouquinho mais do que eu posso fazer ou não só com o meu pensamento.

Minhas últimas palavras não serão as minhas, serão as palavras de um professor de um aluno que eu tive há muito tempo atrás, que dizia sempre para ele: “Somente os tolos aprendem com a dor”. Concordo! Eu só vou completar que, mesmo que eu seja um tolo, de um jeito ou de outro, eu também estou aprendendo. Eu sei que um dia eu vou conseguir pular toda a dor. Não duvido que seja possível. Bom, nesse dia, eu terei alcançado o que as pessoas chamam de sabedoria, mesmo sabendo que nada saberei...

terça-feira, 8 de março de 2011

Findado

Quem diria, quem diria
que em um só dia
tudo se ruiria
e viria abaixo
dezoito anos sem sua companhia
e agora, da noite para o dia
você aparece e estremece
a minha força e a minha certeza
tirando a avareza
e revelando a pureza
do ato concreto da imprudência
O meu estado de carência
nenhuma exigência
nada importante
nada de modo constante
inoperante
O que posso ganhar acordado
o saco raspado
a bebida ao lado
um dia?
Seria talvez?
Não mais estaria contido
engraçado ou divertido
a alegria me preencheu
o meu interior
e todo o meu eu
mas devo acreditar na ilusão
do que ele me traz?
Em toda aquela sensação
completo de paz
não estou tomado,
não estou envolvido
não sou também contido
não me tornarei mais um
outro ser incomum
gosto do que sou
não vou transpor o que eu era
melhorarei o que serei
um ser acabado, findado.

sábado, 5 de março de 2011

Olhos

Olhos que não falam
olhos que não se calam
todos eles uma verdade
contam

olhos meigos, olhos arrependidos
olhos lindos e até puídos
todos eles algo
demonstram

olhos para se olhar
olhos para se apaixonar
um olhar
perdido a vagar

olhos claros, olhos escuros
olhos vidrados no obscuro
um olhar
pedindo, a divagar

olho por olho
mente que sente
olho a olhar
olho a observar

olhos que se abrem
olhos que são janelas
espelhos da alma
que muito revelam

um olhar para se perder
um olhar para se encontrar
um vida que se vê
com os olhos a embalar

olhos videntes, olhos pequeninos
olhos de vidas passadas
que enxergam o futuro
algo que vem vindo

olhar que transmuta
olhar que hipnotiza
olhos independentes
olhos do quase nunca

viver para ver
crer para enxergar
o olhar sincero
que anseio por encontrar

quero acreditar no seu olhar
quero ver para não me cegar
ouça a visão do paraíso
contemple o que eu digo

solte-se e deixe ver
se deixe enxergar
se deixe ser
alguém que quer olhar

usem seus olhos
mostrem-se num olhar
acreditem na força
que este pode lhes dar

sejam francos
sejam sinceros
você pode mentir
mas não o seu olhar

exaltem a pureza
se abram para enxergar
encontrem palavras
para recitar

esteja preparado
onde quer que possa estar
um olho ou dois olhos
irão lhe encontrar

ouça o que profetizo
diga o que eu já sei
se tens a mim
é porque um dia enxerguei

encontrei a tua beleza
eu vi o teu olhar
e nesses seus olhos tão
obtusos, irei me esbaldar

aceite pois a minha revelação
olhos são mesmo assim
feitos para enxergar
feitos para amar

esqueça teu exterior
seu olhos são a prova única
de todo teu amor
vejo com meus olhos
a alma aquecida
que mesmo perdida
já se entregou

sexta-feira, 4 de março de 2011

Confusão

- Você por um acaso consegue entender o que está acontecendo aqui?
- Não, não...
- Você está vendo o que eu estou vendo? Aquilo ali é verdade? Mas como é possível?
- Olha, estou vendo o mesmo que você, eu acho, e não entendi nada ainda...

Uma senhora de meia idade chega perto deles e pergunta:

- É aqui que é o baile?
- Hein??? - perguntam os dois em uníssono.
- O baile, não é aqui não? Eu vi dois carros parados aqui nesse acostamento e mais nada por perto... vocês têm certeza que não é por aqui?
- A senhora por um acaso está vendo alguma festa ou baile por aqui?

Nisso chega um casal, um homem gordo e uma senhorita magérrima com cara de vinte anos. O homem fumava um charuto fedido e a mulher cheirava a colônia francesa.

- Então – disse o gordão – quem morreu?
- Hein??? - perguntaram os dois homens e senhora ao mesmo tempo.
- Quem morreu, oras!? O que estão fazendo aqui nesse lugar?
- Eu vim para o baile e...
- Meu Deus! Eu já disse, aqui não tem baile nenhum. Se nem um salão de festa tem aqui por perto, como é que iria ter um baile? Nós paramos aqui por causa da...
- Olha, olha, olha!!! Mexeu, mexeu de novo! Você viu?
- Droga, não! Eu tava falando com esse sujeito...
- O que diabos é aquilo lá? - perguntou o gordão.
- Aquilo o quê, “beinhé”? - perguntou a perfumada.
- Olha pra lá mulher – apontou o marido – está vendo?
- Nossa, brilhante não?! Está voando?
- Ah, será que é lá que é o meu baile?
- Meu Deus, minha senhora, você me tira do sério...

Eis que dois jovens, de uns dezoito anos cada, chegam de bicicleta no meio da confusão. Eles desmontam das magrelas e correm para o meio das pessoas.

- Anda, anda... trás aí! - disse o moreno.
- Já peguei, já peguei – respondeu o loiro – é só apertar o play, certo?
- É, mas tem que dar foco. Me empresta aqui.
- Toma!
- E quem são vocês dois? - perguntou o primeiro.
- Nós é que perguntamos; vocês também estão aqui por causa daquilo lá?
- Sim, estamos – responderam quase todos ao mesmo tempo, menos a senhora que disse:
- Eu estou procurando o baile. Vocês jovens sabem onde é o baile?
- O da quermesse? O do padre Antônio?
- Olha, é... você sabe, loirinho?
- É só a senhora descer aquela entrada a...
- Para, para, para tudo! Olha lá! Mudou de forma...
- E tá circulando! Que de mais!!!
- Amor, você filma pra mim também? Eu quero ter pra mostrar pra Ana.
- Eu não trouxe a filmadora, meu anjo, mas os garotos te mandam uma cópia depois, não mandam? - perguntou o gordão estendendo uma nota alta para o que segurava a câmera.
- Claro, claro é só a senhora me passar seu e-mail que eu mando sim!
- Meu Deus, olha lá! Está correndo de um lado para o outro! Magnífico!
- Lindo! Olha quantas luzes!
- Olha quantas cores!
- Está dando a volta!
- Está é subindo!
- Tem mais de um?
- Como é que você sabe que é um e não uma?
- O meu filho, onde é que é o baile?
- CALA BOCA!!! - gritaram todos ao mesmo tempo.
- Nossa, até parece que isso não acontece todo dia. Eu só pedi uma informação, tá? Gente grossa é um problema...
- Até parece que a senhor já viu um desses antes?
- Claro que já, só não sei como chegar lá...
- Hein??? - perguntaram os dois rapazes.
- O baile – respondeu a senhora.
- Minha Santa Aparecida, não é possível que a senhora ainda está falando disso.
- Santa Aparecida não, é de Santo Inácio...
- Minha senhora, por que é que a senhora não vai pro baile de uma vez, hein?
- Estou tentando, mas vocês não...
- Meu Deus, está mais rápido!
- Olha como gira!
- Olha que fantástico!
- Me dá até medo!
- Eu estou adorando!
- Eu estou arrepiado!
- Olha lá, olha lá... tá subindo!
- Tá sumindo!
- É mesmo, está...
- Sumiu! Não acredito...
- Que pena, estava tão bonito...
- É, estava...
- Vocês gravaram tudo?
- Sim, gravamos! Ficou joia!
- Que bom, eu vou querer uma cópia!
- Eu também!
- Não esquece de mandar pra mim primeiro, garoto... ela já te passou o e-mail?
- Já, sim senhor!

O silêncio se faz por um momento.

- Ei, ficou chato aqui...
- É não tem mais nada para ver...
- É, acabou...
- E agora, nós podemos ou não ir para o baile?
- Baile de quê mesmo?

E todos se puseram a andar na mesma direção...

quinta-feira, 3 de março de 2011

Triste mas feliz

E aquele momento de apenas um minuto
rasgou a eternidade e estigmatizou a carne
penetrou fundo em meus músculos e tendões
transpassou meus órgãos e enroscou-se
como uma broca no meu coração

não, ela não estava mais ali, do outro lado da tela
o que restou foi a minha imagem exibida pela câmera
meu rosto tristonho e inconsolável, pesaroso
a angustia da minha face foi minha companheira
nada mais por assim dizer

sim, mais um outro momento incerto
nada pode me consolar agora nesse instante
apenas a lembrança do seu sorriso
apenas o seu rosto colado ao ombro
num gesto de meiguice e doçura

o amor continua a nos unir por aquele fiozinho
a distância continua a estender esse fio
nossa vontade continua a torná-lo inquebrável
e a saudades enrolará novamente esse fio
para que estejamos juntos de novo

não posso chamar isso de adeus
não posso sequer conceber algo assim
estou sentindo algo novo aqui dentro de mim
acho que é uma tristeza alegre
uma que sente sua falta, mas que sabe como te amar

não existe mais o desespero,
ele está afogado de amor
comprimido pela saudades

amo a liberdade de ter você
aprecio todos os teus sorrisos
anseio por muitos deles...

você parte outra vez, mas o coração não vai
fica aqui comigo, esperando a sua volta
um outro sorriso, outras lindas palavras
choro de alegria de ter você, sorrio de tristeza ao vê-la partir
mas estou seguro, protegido e bem guardado
pelos meus mais puros sentimentos
olhe para mim, sinta a verdade do meu amor...

Literário

Pegue todas aquelas palavras ruins
que existem dentro de você e exorte
tudo isso para fora em algumas linhas

se por um acaso, mesmo assim,
continuar se retorcendo em agonia
tremendo dos pés à cabeça

comece a suspeitar de algo ruim.
Pode ser que você seja um
maldito escritor que não viverá mais sem isso

pode ser que uma única palavra
demonstre todo o interior do seu ser
pode ser que nem todas elas consigam isso

o certo, certo mesmo, é que estará condenado
a vagar para todo o sempre preenchendo papéis em branco
com suas mal traçadas linhas, sempre tentando dizer algo

e isso não é tudo.

Pode ser que essa maldição se estenda
a ponto de lhe tirar o sono, de lhe tirar a vida
mas em compensação
ela lhe dará uma outra vida e
essa já virá com uma nova alma
uma alma errante
galante por si só,
acompanhada de muito romantismo
cheia de restrição nenhuma
aberta em todas as direções
buscando mais do que antes
tentando encontrar em palavras
tudo aquilo que não pode
conseguir em gestos

e

cada um de seus passos
será acompanhado de uma longa
e bem definida narrativa
como se todos seus movimentos
fossem literários
como se sua vida
fosse apenas uma coisa escrita
como se você autor, não existisse
como se eu fosse
criação de minhas próprias palavras
como se eu fosse
alguém

quarta-feira, 2 de março de 2011

Barba!

Na verdade, eu não me considero um experto nesse assunto. Na verdade, eu nem mesmo queria ser um. O que eu quero falar aqui é sobre a minha experiência com ela; a barba. Ter barba é bom? Ter barba é ruim? O que significa isso? Se estamos num processo evolucionário, por que ainda nascemos com esse coisa? De nada importam essas peguntas. Depois de anos refletindo se eu queria ter barba ou não, a única conclusão que eu consegui chegar foi: eu ainda não sei!

Para escrever esse texto, eu fiquei tentando lembrar de quando eu tive meu primeiro fiapo de barba. Claro que eu não consegui, mas nesse vasculhamento do passado eu recobrei uma lembrança. Lembrei-me de quando eu estava com uns quatorze anos, algo em torno dessa idade, e estava conversando com um amigo. Nessa conversa apareceu o assunto barba e ele provocou apostando que tinha mais barba do que eu. Eramos dois “caras peladas” e mesmo assim fomos tirar a prova. Como? Raspando a cara com um barbeador e vendo quem tirava mais pelo. Usamos, os dois, o barbeador do meu pai. Eu raspei primeiro, e até fiquei surpreso com o quanto de pelinhos existiam na minha cara. Nada de fios grossos, apenas fiapos finos. Mas provei que tinha. Eu lembro que ele raspou em seguida, usando a lâmina do meu pai (lembro de ter sido xingado por isso mais tarde) e provou que quem tinha a cara pelada mais peluda era ele. Acho que devia ter uns três fios grossos, mas não estou querendo desmerecer o vencedor, só estou dizendo que foi isso que aconteceu.

Mas a parte mais engraçada dessa lembrança, não foi exatamente esse episódio. Eu lembro de ter ouvido alguém, naquele mesmo dia, dizer que; quanto mais se raspava a cara, mais pelos grossos iriam nascer. Não sei quantos dias depois, ou se no dia seguinte mesmo, eu decidi por a prova essa teoria. Fui até o banheiro do meu pai (o único lugar com lâmina para se barbear daquela casa), passei a espuma na cara (aquele monte, como se eu tivesse muita coisa para arrancar dali) e fiquei me raspando por um tempo. Raspava de um lado, depois do outro, e apertava a lâmina, com precaução, mas forte o suficiente no rosto e puxa para baixo, até o pescoço. Depois de ter perdido meu tempo naquela tarefa infrutífera, eu resolvi enxaguar a minha cara e, para minha surpresa, minha cara estava totalmente avermelhada. Como se eu tivesse levado um monte de bofetões. Fiquei assustado e sentia o arder aumentar. Não sabia o que fazer, já estava quase no horário de eu ir para aula. Lembro que eu estudava à tarde nesse época e já era depois do almoço. Tinha que sair, mas minha cara estava ridícula. Não vi outra solução a não ser pedir para minha mãe me deixar faltar à aula naquele dia. (O resto da narrativa desse evento é pura especulação, pois só acho que sei o que aconteceu). Ela me xingou muito, não pelo fato de eu ter envermelhado minha cara toda, mas por eu ter pensado na hipótese de matar a aula. Acho que ela passou um creme na minha cara e me pôs para fora de casa. Eu já estava muito atrasado. Desci correndo, morrendo de vergonha, até o ponto do ônibus, e só sei que sentia muita vergonha. Não consigo lembrar do meu trajeto até a escola. Lembro que quando cheguei ao colégio recebi algumas zoações pela minha cara vermelha e não recordo com exatidão o que aconteceu. A única coisa que eu sei é que, quando eu entrei na sala de aula, dei de cara com meu amigo do dia da disputa com a cara do mesmo jeito. Nos olhamos como dois idiotas e rachamos de rir um da cara do outro.

Aquele dia, creio eu, foi a última vez que eu raspei meu rosto sem necessidade. Até o dia que eu tive que tirar aquele horrível bigodinho de trocador, que insiste em nascer primeiro na cara da gente. Não consigo lembrar também quanto tempo fiquei com meu rosto marcado, mas sei que não passou daquele dia. E, até o dia de hoje, não me lembrava desse fato, mas que até eu fiquei sorrindo com a estória eu fiquei. Quanta idiotice um adolescente precisa passar por conta própria para poder crescer? Os outros eu não sei, mas eu sei que eu precisei de muuuuuuuuuuuuuuuuuita porcaria... prometo contar todas as merdas desastrosas da minha vida, uma de cada vez, é claro!

…continua em barba II...