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quarta-feira, 30 de junho de 2010

E agora?

Caminhava sozinho por entre os fortes ventos e o aguaçal que caia. Minha roupa encharcada grudando em minha pele ouriçada. Calafrios percorriam todo o meu corpo. Meus dentes batiam involuntariamente. Meus lábios, mesmo que não os estivesse vendo, estavam roxos e congelados, assim como as pontas dos meus dedos. Caminhei o dia todo até aqui, muitos e muitos quilômetros, não mais sentia as bolhas em meus pés que também estavam congelados. Veja bem, você pode achar que foi uma loucura, mas não havia uma outra forma, foi minha única opção, era ir ou regredir tudo o que eu já havia passado. Tentando recompor meus pensamentos, agora neste instante, sinto-os confusos e descabidos, não consigo ordenar mais essas coisas. Acho que tudo o que vivi até aqui foi uma grande futilidade. Deus! Como é difícil encontrar razão para as coisas quando você realmente começa a compreender. Em pensar que cada passo que eu dei foi em vão... mas agora é diferente, tudo mudou, não consigo discernir bem o tempo, não faço mais parte dele, afinal. Estou aqui, mas sei que nada disso é real. Meu corpo responde ao frio e a umidade, minha mente continua serena. Sinto-me indestrutível. Repentinamente um raio cai a alguns passos de mim, meu corpo é arremessado a alguma distância, minha pele se queimou em alguns pontos e em outros fiquei esfolado pelo impacto com as rochas. Levantei-me calmamente, nada me doía, eu entendia a dor, entendia e nada sentia. Estava ótimo, melhor do que já estive em toda a minha vida. Enchi os meus pulmões de ar e prossegui. Comecei a escalar a última encosta das rochas. Meus dedos sangravam. O frio castigava meu corpo, mas nada me atingia a mente. Já me encontrava entre nuvens, subi por alguns minutos, meus músculos só se moviam agora por minha vontade. Galguei a última parede e por fim avistei o meu objetivo. Olhei pra baixo uma última vez e vi o céu fechado abaixo de meus pés, acima, vi o céu límpido de um lindo entardecer. Contemplei os últimos fachos de luz do sol, senti seu calor. Caminhei vagarosamente na direção dela, achei que não a encontraria, achei que fosse um mito, mas ela estava ali. Intocável, impecável e absolutamente linda. Balançava suavemente ao sabor do vento rarefeito. Suas cores eram exuberantes. Respirei fundo ao agachar-me diante dela. Seu aroma era inigualável. Toquei-a de leve e senti sua fina textura. Inclinei-me em uma reverência e a beijei em seguida. Suas pétalas me tocaram com um gosto doce. Lambi os lábios e fechei meus olhos. Concentrei meus sentidos em absolutamente nada, desliguei-os todos. Diante de mim a mais pura revelação, agora entendia de fato o que estava por vir, compreendi cada dia de minha existência. Agradeci o momento com minha nova percepção, estava pronto para a próxima missão. E agora?, pensei. A resposta veio-me antes mesmo que pudesse formulá-la. Levantei-me, olhei para o horizonte que se apagava, sorri singelamente para o sol e comecei a correr, acelerei quando estava perto da borda e assim que contemplei as nuvens cinzas abaixo do penhasco, atirei-me para frente num grande mergulho. Senti meu corpo acelerando pra baixo e antes que pudesse tocar a primeira nuvem, projetei-me numa grande parábola em direção ao firmamento. Voava velozmente como sempre havia sonhado, mais leve do que o próprio ar...

6 comentários:

  1. Doutor Raphael Barcellos, espero que aprecie mais este. Fiz pra você. Bração!

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  2. Gostei demais, fechei os olhos e visualizei. ;)
    Beijo!

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  3. Foi assim que eu escrevi... sentindo cada passo do personagem, até voei no pensamento...

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  4. Muito bom. Viagem ... Bom dmais viajar...

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  5. Pedro tem esse dom! eu fiquei encantada mesmo
    nuss!!!♥

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