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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Pobre coração

Até onde eu lembrava, eu tinha um coração. Foram tantas as pancadas nesse pedaço de músculo que eu desisti de tentar reanimá-lo. Eu sentia-o bater, mas nada muito forte. Sempre naquele seu compasso fraco e esmaecido. Vivia com meu corpo em atividade, não dava para parar. Mas, ele... ele continuava calado. Bombeava somente o necessário para que eu vivesse. Não me transmitia mais aquela energia que eu tanto apreciava. Não! Ele vivia, agora, por viver. Amargurado por todo o sofrimento vivido. Todas aquelas frustrações, um dia, teriam um efeito. Não tardou a chegar. Foi devastador no princípio. Eu, sinceramente, não achei que ele fosse aguentar. Aconteceu muita coisa de uma vez só. Não havia dó, nem piedade. O tempo também não ajudava. Era decepção e amargura, uma atrás da outra. Sem intervalo. Foi uma grande barra o que passamos sozinhos.

Tentei falar com ele, mas ele sempre estava calado. Há meses não ouço a sua voz. Quando ouvia, muito raramente, era algum sentimento por alguém que voltava. Ai, ai... juro que tentei ajudar. Não sabia exatamente o que fazer, mas tentei mesmo assim. Quando ele ainda me ouvia, eu dizia: ‘cara, não se apaixone. Vai por mim, isso dói!’ Ele só respondia com um: ‘humpf’. Eu fiz a minha parte. Tentava distraí-lo com o máximo de ocupações possíveis. Lia, escrevia, passeava, cantava, me divertia (até onde conseguia), lutava para satisfazê-lo. Por fim, não conseguia. Não era justo comigo, não era justo com ele. Estávamos juntos nessa. Não havia saída para nenhum dos dois se não saíssemos juntos. Quando eu estava quase conseguindo me voltar para mim mesmo, ele se apaixonava novamente. Aquilo me irritou e confesso que ficamos brigados por um tempo. Ele aqui dentro, eu do lado de fora. Sempre perto um do outro. Mesmo assim, distantes...

O tempo sempre se arrasta quando se está sofrendo. Tenho uma vasta experiência nisso. Podem acreditar. Mas quem se importa, não é mesmo? Nunca se está por dentro de quem está sofrendo. Não dá para entender. Nem o queiram. O negócio é continuar vivendo, certo? Explica isso para o meu coração. Cansado de sofrer... então foi assim que eu continuei vivendo, quer dizer, me arrastando na vida. Nos falamos muito raramente. Eu quando quero mostrar alguma coisa nova, como uma nova meditação, ou uma nova emoção. Já ele, só fala comigo se for para falar de alguém que se encantou. Eu tento acalmá-lo, mas ele já sai fazendo planos. Imaginando como seria o futuro ao lado de tão bela presença. Sempre digo: ‘vai com calma, dê tempo ao tempo...’ Ele pouco se importa com o que eu digo. Parece que é movido à ansiedade. Nada o faz parar, exceto é claro, a queda.

Como é duro vê-lo ali, encolhido, soluçando baixinho. Seus caquinhos jogados para todos os lados. Passei um dia inteiro olhando para ele, tentando encontrar algo para dizer. Prometi a ele que não o deixaria sofrer mais, no entanto, como posso impedi-lo de sofrer novamente? Na verdade, acho que sou como ele, bem lá no fundo. Meu exterior demonstra despreocupação aos sentimentos, mas por dentro, somos apenas um. Se ele está feliz eu também estou, mas como ele vive tristonho e desamparado... não dá para deixar meu grande amigo assim. Tomo suas dores, como se fossem minhas, e dividiremos juntos esse infindável fardo... pobre coração...

3 comentários:

  1. Lindo texto, retrata o que acontece com o coração de muitas pessoas! Será que podemos dominá-lo mesmo? Ou será apenas momentos ilusórios onde acreditamos que estamos controlando ele, mas na verdade ele está apenas em um momento que esta quieto por si? Entrar em acordo com ela não é nada fácil. Esse é um musculo que nos trás muitas inquietações.

    Parabéns pelo texto amigo sumido :-)

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