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domingo, 30 de maio de 2010

O Obscuro, parte II.

Quatro:

Andava de lá pra cá com um pedaço do braço do morto em suas mãos. Sentou-se por fim em um caixote de madeira, ao seu lado, apoiou o seu queixo nas costas da mão do braço morto, como uma estátua do pensador em versão abominável. Refletia, e achava esquisito, entendeu. Estava preocupado, mas... com o que? Nunca se preocupara anteriormente. Mas mesmo assim ficou ali, com o pedaço de carne humana morta a tocar-lhe a barba rala do queixo. Pensou em algo: este cadáver, picotado aos seus pés, ele não desovaria num lugar seguro. Este não. Queria que algo novo e prazeroso. Sorriu com a idéia. Olhou as roupas do morto por sobre uma caixa de papelão ao seu lado esquerdo. Jogou o pedaço de braço por cima da pilha de pedaços de carne. Foi para o canto oposto ao das roupas e pegou do chão uma lata com água limpa. Despiu-se. Lavou-se. Queimou suas roupas antigas. Não usava luvas. Não precisava, não era pego, não tinha registro e sabia que a polícia do seu país era muito ineficiente. Caminhou nu até as roupas do falecido e as vestiu. Um pouco largas aqui e ali em seu corpo esguio e comprido, mas de bom tamanho. Pegou a carteira do morto e partiu dali. Andou instintivamente pra longe daquele lugar ermo. Calculou no mínimo três dias pra que alguém achasse o corpo pelo mau cheiro. Não se preocupava com isso. Estava ansioso pra ouvir nos telejornais as notícias de sua obra. Satisfeito parou em um boteco a alguns quilômetros do local e pediu um café em seu linguajar adequado ao local. Adaptou seu sotaque imediatamente, sem pensar em fazê-lo. Infiltrou-se, não chamou a atenção. Pagou com o dinheiro da sua vítima. Comeu um pão com lingüiça e um pedaço de bolo, só comeria novamente no dia seguinte no mesmo horário, e só se precisasse. Acostumou seu organismo a não precisar de quase nada. Só pensava em matar, nada mais. Sorriu de lado e partiu. Seu cérebro criminoso sabia onde levá-lo. Precisava se mostrar de melhor forma. Queria ser encontrado, não pelas autoridades, estes não eram capazes de tal proeza. Sabia quem o queria e queria muito este alguém. Pensou no desafio, seria mesmo um desafio? Excitou-se. Precisava matar, logo!

Cinco:

Onde estaria seu alvo, seu objetivo? Se fosse em seu lar, só por querê-lo já o teria em seus pés. Gostava de viver em seu mundo. Amaldiçoava seu pai, seus irmãos e de todos os que zombaram dele quando este teve de partir para o plano mortal. Detestava todos. Queria vingar-se, mas sabia que não conseguiria. Só lhe restava judiar muito de sua caça e pensar nisso o fazia menos zangado. Pensou em sua condição, não era mais um, era uma fêmea, fraca e odiosa. Caminhava como havia chegado, nua, pelas ruas escuras. Quando chegou do subúrbio e entrou numa avenida que a levaria para o centro da cidade, os carros que por lá passavam começaram a buzinar-lhe. Ouvia cantada de uns, assovio de outros, e os idiotas mais sensíveis perguntavam se ela estava bem. Por fim, um destes parou em cima da calçada a sua frente com seu carro. No teto deste havia uma luz vermelha e azul rodando freneticamente. De dentro do carro, dois homens desceram encarando seu corpo. As informações vinham ao seu cérebro humano, irritou-se mas entendeu o que estava acontecendo. Um dos homens sorriu e perguntou-lhe o que fazia ali sem as roupas. Nada respondeu. Cerrou os dentes, queria continuar sua busca. Precisava passar desapercebida pelos humanos. Não podiam detê-la, mas a atrasariam imensamente. Viu atrás de si um lote vago, deu as costas aos oficiais e caminhou pra lá. Os guardas a chamavam: “moça, moça, espere...” Não lhes deu ouvido. Queria muito prosseguir. Quando já estava no meio do mato, já grande, olhou pra trás e os encarou. Um deles caminhou em sua direção pedindo que ela não o temesse. Percebeu que ria do infeliz. Não sabia ela o que era o medo. Conhecia o medo pelo relato de quem ela impunha medo e não o oposto. Esperou até o oficial parar na sua frente e antes que este pudesse dizer qualquer coisa, abocanhou-lhe com uma enorme e sobrenatural mordida. Sua mandíbula espaçou-se largamente e seus dentes ficaram enormes. Decapitou o policial em uma só mordida. Agiu instintivamente e adorou a surpresa que até mesmo ela sentiu. Cuspiu longe a cabeça e atirou-se para cima do outro que corria em socorro do companheiro. Um tiro varou-lhe o peito antes de decapitar o segundo. Arrastou os cadáveres para o meio do mato. Tirou a roupa de um deles, vestiu apenas as calças, as botas, e a camiseta que havia por baixo do uniforme. Nada mais pegou, limpou seu rosto com a blusa do uniforme e partiu. A roupa era desconfortável, estranha. Mas sabia que para chegar onde queria tinha de ser assim. Não tinha tempo pra mais nada. Queria findar seu objetivo. Pegou algo no chão, um elástico, prendeu seu cabelo comprido. Saiu de dentro do matagal e correu pela avenida. Precisava encontrá-lo, conseguia sentir seu alvo mais próximo. Percebeu que este já sabia dela, que a esperava. Sorriu enquanto corria, teria ação em pouco tempo. Gargalhou sinistramente...

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