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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Antônimo

Num momento eu estava de volta àqueles meses felizes de minha vida. Nada de concreto aconteceu naquele dia. Não nos beijamos, não nos amamos e não voltamos a ser como éramos. Ela não era de novo minha e eu não era de novo dela. Não pertencíamos um ao outro, não éramos um. Mas lembro-lhe, nada aconteceu naquele dia, absolutamente nada. Mas foi o suficiente para que eu me inspirasse em seus lábios, em sua linda pele peneirada de lindos salpicos, mais conhecidos como sardas. Seus olhos aprofundaram as minhas lembranças. Transportaram-me para muitos e muitos anos atrás. Não era mais eu quem estava alí. Não quem eu sou hoje. Não! Ficou quem eu um dia fui.

Meu coração sobressaiu a qualquer som audível naquele instante. Era como vê-la no auge de sua inocência. Incorporei o espírito que gritava exaltado e extasiado pelo reencontro. Foi como um dia havia sido. Em princípio, nada era como antes, afinal, não o era de fato. Saudoso de viver uma grande alegria, minha mente foi se incinerando de recordações. Cada palavra, cada mínimo gesto. Todos movimentos refinados, estranhos. Mas em mim havia a certeza: era ela. Aquela que, um dia, eu beijei em uma primeira vez. Aquela que eu, um dia, senti gradualmente e aceleradamente aumentar o meu desejo. Aquela que viveu um amor ao meu lado. Comigo. Para com minha pessoa. Meus sentimentos vibravam. Tudo isso num silêncio espalhafatoso. Quantos foram os anos que eu não a via? Pareciam décadas e mais décadas. Cada célula minha vibrava em silencio. Como eu queria rodá-la, como em um filme meloso de amor. Como eu desejava tomá-la em meus braços e sentir-lhe um abraço verdadeiro. Mas, como disse, nada ocorreu. Absolutamente nada. Contrário a tudo o que eu desejava. Contrário a tudo o que de fato deveria acontecer. O antônimo de minha alegria. Quem era eu? Quem era ela? Um filme antigo... sortilégios de meus cálidos e entorpecidos dias de adolescente. Minha mente golpeou-me: como eu amava aquela mulher. Não alí. Não agora! Mas como eu havia amado aquela mulher. Um dia, garota. Um dia, ninfa. Agora: uma linda e adorável mulher.

Busquei e rebusquei o por quê daquele sentimento. Não obtive resultado de lugar algum. Só minhas recordações falavam por mim. Essas, inclusive, eram o assunto em questão. Uma prolongada recordação. Não eram somente palavras, eram sentimentos. E eles não sussurravam brandamente em minha mente. Eles berravam a plenos pulmões. Sentia meus batimentos acelerarem e descompassarem. Um sorriso era o bastante para emudecer minha lógica e minha razão. Não as ouvia. Suas vozes ecoavam ao longe. Não ouvia. Era um lamurio qualquer, afinal, pouco me importava. Ela estava alí, diante de mim. Presente, tangível. E poucas foram as vezes que eu a toquei. Pouco foi o nosso contato.

Nosso olhar se cruzava vez ou outra. Vez ou outra via o seu sorriso. Podia acompanhar em câmera lenta o abrir e o fechar de seus lábios. Ela dizia: “você se apaixona fácil”. Meu coração berrava: “Nós não te esquecemos”. Aquele embate, durou muito tempo. Mais do que eu podia prever e menos do que eu gostaria. Estava ansioso e saudoso de minha vida passada. Uma recordação, uma lembrança. Nunca poderei afirmar ao certo. Quem poderia dizer que, um dia, estaríamos alí, um diante do outro? Olhos nos olhos. Meus pensamentos giravam numa velocidade exorbitante. Não me concentrava em nada. Uma lembrança trazia outra, e essa por sua vez, mais uma. Sua voz me lembrava tudo e tudo me lembrava ela. Meu coração implorava: “faça uma música pra ela! Pinte um quadro! Traga para ela a lua! Faça alguma coisa! Amamos ela, lembra?!” Meu coração cobrava feroz. Melodias assombravam o meu passado. E ela sempre alí, ao meu alcance. Perto o suficiente pra me fazer querer. Perto o suficiente para me fazer temer. Temer o que podia ou não ser. Como eu, um reles mortal, podia prever um futuro sem aquela mulher? Mesmo já estando vivendo o presente sem sua companhia. Mas, como podia eu querer o que nunca tive? Ou que um dia tive e não mais possuía? “Alguém me ajude!” gritei aflito em meu íntimo.

Nos pusemos a caminhar pelo curto caminho. O fim estava próximo. Todo meu corpo rastejava, desejoso de adiar o fim inevitável. Meu espírito rasgava-me a carne, queria sair para dominar o meu eu. Passo a passo, com a alma latejante, levei-a até o seu destino. Enrolei mais uns poucos minutos querendo vê-la por mais um tempo que fosse. Tudo era válido. Cada segundo valia. Cada fração do arrastar do tempo era válida para desfrutar de sua doce companhia. Os deuses comemoravam meus regozijos de alegria e de tristeza. Cada minúcia de meu ser lutava contraditoriamente por ela. Eu era um aglomerado de nada. Um amontoado de carne e ossos. Não possuía estrutura para pensar, agir, domar-me. Estava jogado e largado à sorte.

E, se em algum dia, eu fui feliz, havia sido ao seu lado a tal experiência. Lembro-me, como agora escrevo, do ínfimo detalhe: amarrar seu cadarço, foi como cuidar da garotinha que, um dia, eu amei. Fechar aquele laço foi como selar o dia perfeito que não voltaria. Era a hora do adeus e tudo que praguejava desabar, desabou. Desmoronou-se o desejo. Desbarrancou-me a carne que já estava mole e apodrecida. Via meu coração escorrer pelos poros. Com ele, o meu amor por ela. Abracei-a por fim. Nada cinematográfico. Não foi por mim que aquilo não durou até agora. Curto e desprendido de sentimentos.

Gélido são os meus pensamentos por ela. Conversamos novamente, naquele mesmo dia, à noite. Todos os segredos foram revelados. Nada de véus. O jogo estava aberto. O meu. O dela permanecia oculto. Encoberto por seus eternos encantos. Nenhuma promessa, nenhuma esperança. Onde estará ela agora, quando meu coração ainda grita o seu nome? Do “A” do antônimo de meus prazeres, restou apenas o seu nome. Apenas as minhas saudades... apenas as minhas loucuras incuráveis de paixão. Estaria certa quanto a amar subitamente? O fato era: nunca havia deixado de amá-la!

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