...havíamos viajado por muitos dias através do tempo e do espaço. Eu e
minha equipe tínhamos um objetivo: chegar até Trevas e lá encontrar o aclamado
contador de histórias “Gru”, que nos revelaria o paradeiro – ou pensávamos que
assim seria – do assim nomeado “Herói”. E lá, registrar toda a sua história.
A princípio a maior dificuldade
foi chegar até Trevas e, naquele gigantesco mundo, encontrar o paradeiro de
Gru. Entretanto, sua fama era quase tão extensa quanto do “Herói” e um sempre
estava associado ao outro. Sua localização foi imensamente facilitada devido a
esse fator. Os reinos estavam em paz naqueles dias e todos estavam solícitos em
nos ajudar. Estávamos com todo nosso equipamento para registro das histórias de
Gru e ávidos por seus dados. Gru era aclamado naquele mundo não só por ser um
famoso cronista, mas também por ter estado em contato direto com o misterioso
“Herói”.
Gru Stalti, ex-terceiro em comando das tropas do rei e ex-homem de
guerra, era uma figura única em todo reino. Hábil nas palavras como ninguém,
Gru nos relatou umas das mais completas e fascinantes histórias a cerca do ser
mítico aqui chamado de “Herói”. Seu relato embora longo foi também completo,
rico em detalhes. Aqui está transcrita, palavra a palavra, toda sua grandiosa
aventura:
(assim que
entramos no estabelecimento do comerciante Jamnyr – local dessa gravação. Uma
taverna em uma vila bem próxima as muralhas da grande cidade do reino central –
encontramos o senhor Stalti sentado num dos cantos do bar cercado por muitos
curiosos, todos aqueles já acostumados ao ouvir suas histórias. O cronista já
nos aguardava ansioso, disposto a recontar sua aventura ao lado do “Herói”. O
lugar era pitoresco e bem característico daquela cultura. Os moradores daquela
pequena vila nos acolheram muito bem e tudo transcorreu melhor do que o
esperado. Nossos interpretes ajudaram no inicio, mas Gru, como mostrou, sabia
muito bem nossa língua e relatou toda a história explicando-nos o que não nos
era comum. Armamos os equipamentos de áudio e imagem a sua volta e mal
começamos a gravação e Gru já foi contando.)
“Naquele tempo, o frio era quase extremo e, no
período noturno – aqui em nossas terras duram um pouco mais do que uma semana
dos seus dias – caminhar por aquelas florestas era praticamente insustentável. O
vento é predecessor de muitas coisas, de boas a ruins – como bem sabem – mas
naquele tempo a única coisa que os ventos traziam eram prenúncios de morte. Não
que o frio fizesse tanta diferença aqui no reino de Trevas. Os perigos eram
inumeráveis e as chances de sobreviver eram quase que nulas, mas com o cair da
treva, em Trevas, o frio simplesmente tomava para si qualquer coisa viva sem a
correta habilidade de se suster. Estávamos em guerras, um longo e penoso
período de guerras. Naquela época, qualquer homem que se atrevesse a permanecer
fora das muralhas da grande cidade era imediatamente abatido. Os que tivessem
um pouco mais de 'sorte' morriam congelados.
O que eu vou contar agora é a história mais fantástica
que eu já presenciei em toda minha vida. E quão longa ela foi... Nunca me esqueço
de nenhuma palavra, pois repeti essa mesma história por quase todos os dias
desde que ela aconteceu. E juro, por todos os membros da minha família, todos
aqueles que já morreram, juro pela minha vida, eu, o único Stalti vivo, que
cada palavra dessa história é verdadeira. Há muitos anos eu a repito e, aqueles
que a ouviram mais de uma vez, sabem que eu jamais aumentei um ponto ou uma
vírgula sequer sobre o que realmente aconteceu.”
(Nesse
ponto alguns moradores locais – fãs das histórias de Gru e em sua maioria
jovens – começaram a opinar e comentar sobre suas palavras. Optamos por também
transcrever todos esses diálogos para que ficasse registrada a participação e admiração
dos participantes, para que também não houvesse cortes em sua narrativa.)
“É verdade... verdade mesmo, eu confirmo! Não vi
acontecer como o velho Stalti viu, mas estive lá, no depois da ação e,
garanto-lhes, foi a coisa mais absurda por que passei em toda minha existência.
Juro pela alma do meu avô Pirgenti, e vocês bem sabem que nunca minto diante do
nome dele...”
“Conta logo, Gru! Já sabemos que é verdade...”
“É, Gru! Conta logo! Se essa história não fosse a
melhor que você...”
“E a única, Junk (huahuahuahuahua)... a
única!!!...”
“É, é, é... é sim, a única... mas como eu ia
dizendo, se não fosse a melhor (e única! Huahuahua) que você conta, eu já teria
ido embora...”
“Acho que o interessante de sempre ouvir de novo
a história é que quem nunca ouviu fica sempre assustado, com aquela cara de
absurdo e de descredibilidade, igual a esses aí...”
“Eu, particularmente, gosto muito. Mesmo sendo
cheia de coisas horríveis e medonhas, que fazem minhas mãos suarem...”
“Eu seguro as suas mãos, Jinnah...”
“Gente! Vamos parar de falação?! Todo mundo sabe
que o velho Stalti nunca começa enquanto todos não ficam calados...”
“É verdade, gente! Lembram aquele dia que todo
mundo ficou falando e ele foi embora sem ninguém ver que ele tinha saído?...”
“Então cale a boca, garoto! Quando o velho Gru
conta a sua história meu estabelecimento vende três vezes mais...”
“É por isso que você vive gritando todo mundo lá
fora pra vir ouvir, né?...”
“Claro! Mas quem sempre paga as bebidas para ele
ir se soltando sou eu...”
“Licença, seu Jamnyr, mas podemos ou não começar
as gravações da narrativa? Eu sei que o estabelecimento é do senhor e, ah,
obrigado pela permissão, mas o senhor podia fazer seus clientes silenciarem-se
para que o senhor Gru Stalti comece a contar...”
“O que a Laura está querendo dizer, senhor
Jamnyr, é que estamos prontos para filmar a narrativa. Já até liguei as câmeras
e a equipe só está esperando o senhor Gru começar...”
“Esse pessoal é mesmo de outro mundo, não é
Ryntehr?...”
“Eles não conhecem os nossos costumes, Flumnor, e
outra, vieram até aqui só para isso. Dê um desconto para os forasteiros...”
“Desculpem intrometer, é que ouvi vocês falando
da gente e... queria me desculpar por qualquer coisa que fizemos ou faremos que
vá contra a tradição de vocês. Não estamos acostumados a transitar para fora de
nosso mundo e... é que o senhor Gru e suas histórias chegaram até lá, em nossos
ouvidos. Como disseram que a narrativa do senhor Stalti é longa, nós decidimos
fazer um documentário e filmar...”
“Documentário? Filmar? Tá todo mundo falado isso
hoje. Afinal, o que é...”
“Não se esqueça que a tecnologia deles é
praticamente obsoleta, Flumnor...”
“Não pessoal, não é não. São maquinas de última
geração e...”
“André! Não precisa continuar, já te expliquei
que aqui nossa tecnologia...”
“Olha, olha! Silêncio! Ele está pigarreando...
vai começar a falar...”
“Laura! Comece a filmagem, já...”
“Silêncio, gente... silêncio!...”
“Silêncio!...”
“Shiu!!!...”
“Silêncio...”
“...”
(e a
partir deste ponto, todos se calaram e as crônicas de Gru fluíram ininterruptamente)
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